A campanha Setembro Amarelo, de prevenção ao suicídio e cuidado com a saúde mental, ganha relevância e peso no atual contexto de pandemia de Covid-19. Tanto que o governo federal lançou nesta quarta-feira (1) um curso de formação para emergências em saúde mental para profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) de todo o Brasil.

De acordo com o Ministério da Saúde, as três primeiras turmas da capacitação profissional serão oferecidas aos profissionais de saúde de todas as capitais do País. Há ainda a preocupação de “fortalecer a prática de condutas humanizadas”.

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“Estamos entregando uma das contribuições mais inovadoras: a partir de hoje, doentes mentais em crise receberão o melhor tratamento possível. Não teremos mais doentes sendo algemados e levados a força para atendimento. Teremos tratamento humanizado”, anunciou a secretária do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro.

O Ministério da Saúde alega ter investido R$ 1,5 bilhão para a abertura de novos serviços da Rede de Atenção Psicossocial (Raps) em 2020. Pelo menos 3.164 dessas unidades fornecem consulta sobre saúde mental em todo o País: 796 Residências Terapêuticas; 69 Unidades de Acolhimento (adulto e infanto-juvenil); 1.802 leitos de saúde mental em hospitais gerais; 13.098 leitos em hospitais psiquiátricos; 59 equipes multiprofissionais de atenção especializada em saúde mental e 144 Consultórios na Rua. Também foram gastos R$ 99 milhões para qualificar o atendimento dos 2.742 Centros de Atenção Psicossocial (Caps).

A Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) divulgou em agosto deste ano que 60% da população do continente americano sofre de ansiedade ou depressão, falando em “crise de saúde mental” na região devido à pandemia.

“Enfrentamos uma crise de saúde mental que, se não for resolvida, terá graves consequências. Não só agravará o fardo dos transtornos mentais, mas prolongará o impacto da pandemia”, alertou, em coletiva de imprensa, a diretora da Opas, Carissa Etienne. “Os países devem investir em saúde mental agora para enfrentar a ameaça constante da pandemia e limitar seus efeitos em cascata nos próximos anos”.

A Lei nº 13.819, de 26 de abril de 2019 regulamenta a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio em âmbitos municipais, estaduais e federal, sendo “uma estratégia permanente do poder público para a prevenção desses eventos e para o tratamento dos condicionantes a eles associados”.

Antes do início da pandemia, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil era o país com a maior população de ansiosos do mundo: 18,6 milhões (9,3% da população). Com a pandemia, os casos de ansiedade aumentaram em 80%, de acordo com levantamento da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

A saúde mental na pandemia

A necessidade de isolamento social, medo constante de infecção, mortes de pessoas próximas, estresse psicológico e físico, desemprego (14,4 milhões, segundo o IBGE), vulnerabilidade social, instabilidade econômica e política. Todos esses fatores contribuem para agravar quadros de saúde mental e provocam quadros como:

– Solidão
– Dificuldade de concentração
– Ansiedade
– Pânico
– Depressão
– Claustrofobia
– Transtorno obsessivo-compulsivo

“O medo da perda de um ente querido pode gerar ataques de pânico. Não temos controle sobre o que acontece com o outro. Para tentarmos saciar essa ansiedade, recorremos à comida”, explica a psicóloga do Hospital de Urgências de Trindade, Polliana Araújo.

Uma pesquisa feita pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) em abril deste ano analisou os impactos da pandemia na saúde mental da população. Segundo a professora de Psicologia Fabiane Rossi, que coordenou o estudo, entre as mudanças de comportamentos estão o aumento no uso de substâncias como cigarro, álcool, outras drogas e os medos, expectativas e mudanças de humor apresentados pelo público.

Já para Jair de Jesus Mari, psiquiatra e chefe do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp), há três fases de sintomas psicológicos relacionados à pandemia:

1 – Medo de contaminação: gera estresse agudo;
2 – Confinamento: gera sentimento de desamparo, tédio, raiva, ansiedade e irritabilidade;
3 – Perdas econômicas decorrentes da pandemia: pode gerar depressão e estresse pós-traumático.

“A epidemia é, portanto, um forte fator de estresse que, por sua vez, é fator causal de desequilíbrios neurofisiológicos. A persistência e o prolongamento destes desequilíbrios hormonais, inflamatórios e neuroquímicos podem desencadear um transtorno mental mais grave”, disse Mari ao site da Unifesp.

Saúde mental em pauta

A questão da saúde mental ganhou destaque internacional com o ocorrido com Simone Biles nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Uma das maiores estrelas da competição, a ginasta americana abandonou algumas competições para poupar sua saúde mental alegando estresse mental. A questão repercutiu internacional e levou a preocupação com a saúde mental ao debate público.

Algumas empresas já começaram a se preocupar com o problema. A Nike do estado de Oregon, nos EUA, concedeu folga de uma semana a seus funcionários administrativos para promover um descanso para a saúde mental. “Todos os nossos líderes estão enviando uma mensagem clara: reserva um tempo para relaxar, desestressar e passar tempo com seus entes queridos”, postou Matt Marrazzo, um dos gestores da empresa, no LinkedIn.

A mesma tática foi adotada pela própria rede social, em abril deste ano, para evitar Síndrome de Burnout, causada pelo estresse laboral crônico.