O Relatório Focus é divulgado pontualmente pelo Banco Central (BC) às 8h30 de todas as segundas-feiras em que há expediente bancário. A publicação começou em maio de 2002. Nessas quase duas décadas, os profissionais do mercado se acostumaram a começar a semana observado o Focus para saber como estão as expectativas para inflação, juros, dólar e crescimento da economia. E a edição desta segunda-feira (26) mostrou uma mudança de direção dos especialistas. Ao indicar que a taxa de juros referencial Selic deve acabar 2021 a 7% ao ano, os profissionais do mercado passaram a esperar um BC conservador nos juros.

Explicando. A tarefa do BC é calibrar os juros de maneira a fazer cumprir a meta de inflação estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Para 2021, a meta é de 3,75%. Para 2022, ela cai para 3,5%, e recua mais 0,25 ponto percentual nos dois anos seguintes, chegando a apertados 3% ao ano em 2024. Ou seja, o BC tem de calibrar os juros para manter os preços baixos pelo menos por pouco menos de três anos e meio.

Projeção do Focus para Selic para 2021 passa de 6,75% para 7,00%

Essa tarefa não será fácil. Na sexta-feira (23), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou o Índice de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) de julho, mostrando um aumento de preços de 0,72% no mês. Com o resultado, a prévia da inflação teve a maior alta para um mês de julho desde 2004, quando atingiu 0,93%.

No acumulado até julho, o índice já está em 4,88%. Em 12 meses, a inflação acumulada é de 8,59%. É muito acima da meta para o ano, ainda que se considere a margem de tolerância de 1,5 ponto percentual, que admite uma inflação de até 5,25%.

O IPCA-15 é praticamente igual ao IPCA (uma regressão mostra um coeficiente de correlação de 99,7% ao longo dos últimos dez anos). A única diferença é o prazo de coleta dos preços, que é realizado entre o dia 16 do mês anterior e o dia 15 do mês corrente, sendo divulgado de oito a dez dias depois.

Como o IPCA é muito importante para a economia, faz sentido que seja divulgado um levantamento prévio. Assim, ele funciona muito bem como uma prévia da inflação “oficial”, e mostra que o BC vai ter trabalho para fazer os preços convergirem para a meta.

A conta é simples. Vamos supor que o IPCA de janeiro a julho acumule os mesmos 4,88% do IPCA-15. Para que o BC cumpra sua tarefa, a inflação teria de subir “apenas” 0,37 ponto percentual no acumulado dos próximos cinco meses. Isso é praticamente impossível. O próprio relatório do IBGE indica que um dos principais motivos para a alta da inflação foram os reajustes salgados da eletricidade, que subiu 4,79% no mês.

Moral da história: é bastante provável esperar que os juros sigam subindo para que o BC consiga fazer a inflação baixar para mais perto do centro da meta. Ou seja, o BC deixará de praticar uma política monetária “estimulativa”, dedicada a estimular o crescimento econômico que foi afetado pelas medidas de combate à pandemia. A conta da última edição do Relatório Focus mostra que os profissionais do mercado passaram a esperar um BC mais conservador, elevando os juros para baixar a inflação, apesar de isso provocar um desaquecimento da economia – que já não está muito aquecida.