Nas últimas semanas, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem buscado equilibrar interesses do Congresso Nacional, do Ministério da Cidadania e da equipe econômica para aprovar o chamado Auxílio Brasil. O novo programa de distribuição de renda nasceria maior que o atual Bolsa Família e para substituir o auxílio emergencial a partir do mês de novembro. Tudo muito bom, se não fosse por um pequeno detalhe: o governo ainda não explicou como vai colocar o programa no orçamento sem furar o teto de gastos. 

Na quarta-feira (20) o Ministro da Cidadania, João Roma, anunciou a criação do Auxílio Brasil, e declarou que o valor mínimo do benefício seria de R$ 400 até o final de 2022, após um pedido do presidente Bolsonaro. 

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Depois de diversas declarações vagas do presidente, o ministro da Economia, Paulo Guedes, confirmou que parte do valor será pago fora do teto de gastos e que o governo estuda forma de alterar o mecanismo de controle das contas públicas. Isso desagradou o mercado e, nesta quinta-feira (21), o dólar fechou em R$ 5,67, enquanto a bolsa caiu 4%. Quatro de seus secretários pediram demissão na noite de quinta-feira (21) e na sexta-feira (22) o próprio Guedes viveu um momento de indecisão no governo, mas acabou ficando e anunciou os nomes da equipe que vai seguir com ele.

Mas o que é o teto de gastos?

A Emenda Constitucional 95 foi aprovada no Senado em dezembro de 2016 com 53 votos a favor e 16 contrários. A ideia era ser um mecanismo de equilíbrio das contas públicas para recolocar o país na rota do crescimento econômico e dos investimentos internacionais. Na prática ele seria uma política para barrar o crescimento real do tamanho do estado, já que os investimentos estariam condicionados não pelo crescimento do PIB, mas pela inflação do ano. Esse instrumento está previsto para durar 20 anos. 

Paulo Gala, professor da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, aponta que o teto foi uma medida dura a e que ele sozinho não pode ser sinônimo de controle fiscal. “Você tem diversas formas de ter regras fiscais sem congelar o investimento do Estado. Existe o superávit primário e mecanismos que identificam se a economia está aquecendo ou desaquecendo”, explicou.

O subfinanciamento de algumas áreas sempre foi a grande crítica dos opositores da medida. Um exemplo aconteceu com o Sistema Único de Saúde (SUS). De acordo com os pesquisadores Bruno Moretti, Francisco Funcia e Carlos Ocké o Sistema Único de Saúde só perdeu R$ 22,5 bilhões entre 2018 e 2020 por conta do congelamento dos investimentos públicos na área.  

O teto e o cenário pós pandemia

Diversos países do mundo já se preparam para uma retomada econômica pós pandemia do novo coronavírus e para isso diversos deles já sinalizaram que vão precisar de grandes investimentos públicos.

Em apenas um ano de mandato o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, já anunciou pacotes de incentivos estatais que injetarão mais de US$ 5 trilhões de dólares para reerguer a economia do país depois de pandemia. Na mesma direção, a União Europeia anunciou ajuda de mais de 750 bilhões de euros para auxiliar os países do bloco mais atingidos pela crise pandêmica. Para o economista da FGV, essa tendência não vai demorar para chegar ao Brasil.

“O Brasil é o único país do mundo que segue nessa agenda de austeridade fiscal. No pós-pandemia, a austeridade a qualquer custo acabou. Isso não quer dizer que os governos serão todos irresponsáveis do ponto de vista fiscal, mas vai precisar de flexibilização para dar conta da crise pandêmica e da crise econômica e isso certamente vai chegar no Brasil também”, disse Paulo Gala.

O teto e o voto 

Outro ponto para se entender o debate pelo teto de gastos é a eleição do ano que vem. Jair Bolsonaro vem enfrentando uma economia que não cresce, com alto número de desempregados e inflação de 10% ao mês. Seu principal rival no pleito de 2022, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, também já sinalizou que acabará com o mecanismo caso seja eleito. 

Gala acredita que essas movimentações são o maior exemplo de que a regra do Teto de Gastos será revista em um próximo governo. “Todo o gasto público tem uma tendência de aumentar com o tempo porque são questões ligadas a educação, a saúde e a necessidade de quem tem mais carência, a conta não vai fechar daqui a dois, três anos. Fatalmente esse teto será revisto”, encerrou.