O fim do Auxílio Emergencial e a criação do Auxílio Brasil, como um substituto do programa Bolsa Família, podem alterar as relações de consumo no Brasil e contrair a economia. Isso deve ocorrer, principalmente, pela queda no número de beneficiários. Quase 40 milhões de pessoas foram atendidas pelo Auxílio Emergencial e apenas 14 milhões recebem o Bolsa Família.

De acordo com uma pesquisa da ProScore, empresa de tecnologia da informação, mais de 22 milhões de brasileiros deixarão de receber recursos do governo a partir deste mês, novembro de 2021. O Auxílio Brasil deve atender a um grupo de 17 milhões de brasileiros até o final do ano, segundo o Governo Federal.

Mesmo com a expansão de beneficiários que deve acontecer com o Auxílio Brasil, a redução na circulação de recursos no mercado é brusca. Nem o reajuste de 17,84% em relação ao Bolsa Família, atingindo o valor mínimo de R$ 217,18, compensará essa mudança.

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A pesquisa identificou ainda uma mudança no perfil de consumo dos beneficiários. O Auxílio Emergencial colocou mais dinheiro nas mãos do público masculino, pois cerca de 44% dos atendidos são homens. Já no caso do Bolsa Família, agora Auxílio Brasil, as mulheres são 90% do grupo atendido, segundo dados da proScore, com recorte de maio a julho de 2021.

A migração de programas não mudará, no entanto, as regiões para onde os recursos serão direcionados. No caso do antigo Bolsa Família, 10% de todos os beneficiários estavam na Bahia, em São Paulo, em Pernambuco, no Ceará e em Minas Gerais, no período apurado. Já entre os cidadãos que recebiam o Auxílio Emergencial o grupo continua o mesmo, trocando apenas Ceará pelo Rio de Janeiro.

“O que vamos observar com esses dados é uma mudança no padrão de consumo que pode ser importante para o mercado. Não é só o fato de os homens serem o grupo que mais perderá dinheiro com o corte de recursos, mas também a população que recebe é mais carente e tem urgências sociais que não impulsionam o mercado”, explicou Mellissa Penteado, CEO proScore.

Para Mellissa, outro ponto importante é compreender de onde será gerado ou realocado os recursos para o programa existir. O professor de Economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie Josilmar Cordenonssi também pontua que sem uma fonte de financiamento segura, dentro do Teto de Gastos, essa movimentação pode impactar na inflação e afetar a credibilidade do Brasil no mercado internacional.

Impacto na economia

De acordo com Cordenonssi, o novo programa não deve impactar no Produto Interno Bruto (PIB) de maneira geral. A diferença deve ser sentida de maneira mais forte nas periferias e lugares mais pobres. “Acho que a proposta do Senado, para o projeto, é melhor que a do governo. O problema do projeto é financiar isso com o calote de precatórios que devem ser pagos. Acredito que os precatórios deveriam estar fora do teto de gastos já que o governo não tem como controlar quando essas ações serão decididas”, complementa.

Já para a doutora em economia, professora e pesquisadora do Cedeplar/UFMG, Débora Freire, as transferências têm o impacto de manter um mínimo de capacidade de consumo para milhões de famílias. No entanto, a diminuição do número de pessoas atendidas terá um choque negativo de consumo expressivo para a economia.

“Perdemos capacidade de consumo de uma parte importante da população, o que se reflete de forma negativa na produção dos setores e, consequentemente, no emprego e na renda gerada. Perdemos até mesmo receita de arrecadação para o governo, já que a maior parte da nossa tributação é sobre consumo e, com a queda do consumo, cai também o que se arrecada sobre esta base”, exemplifica.

Expansão do programa

“O Bolsa Família é mais uma questão humanitária do que econômica. É necessário dar um respaldo para essas famílias para evitar que aumente a miséria no País e instabilidade social com roubos. O projeto tem que ser uma política de Estado e não de governo. O projeto Renda Cidadã pode ser a medida que vai estabelecer isso de maneira permanente”, diz Cordenonssi.

A especialista da UFMG alerta que o ideal seria um programa que abarcasse os 30% mais pobres, cerca de 28 milhões de famílias. Porém, mais importante que o número de famílias, é o desenho do programa. “Tendo em vista nossa situação fiscal delicada, é preciso propormos soluções estruturais para o financiamento de um programa mais robusto e permanente e não apenas conjunturais. O caminho para isso é atuar nos problemas e regressividades que temos no sistema tributário”, indica.

Sobre o valor de R$ 400, Débora destaca que o impasse político é muito ruim, pois, um programa que serviria para trazer segurança para famílias vulneráveis transformou-se num poço de insegurança. “Hoje não se consegue fazer muito com R$ 400, principalmente quando consideramos a inflação que nos assola. No entanto, dada a nossa situação fiscal delicada, e mesmo a comparação com o benefício anterior à pandemia, R$400 é um valor adequado”, completa.

Como fica quem recebia o Auxílio Emergencial?

Os beneficiários do Auxílio Emergencial podem ser realocados no Auxílio Brasil desde que estejam compreendidas nos requisitos preestabelecidos. Como o Auxílio Emergencial era um programa transitório de subsídio devido à sensibilidade econômica instaurada pela pandemia e as consequências do lockdown, Mellissa explica que o público acaba sendo diferente, já que o auxílio compreendia também profissionais autônomos e prestadores de serviços que tiveram a sua geração de renda comprometida.

“Neste primeiro mês, o Auxílio Brasil será destinado somente para as famílias que faziam parte do Bolsa Família e que em outubro de 2021 foram consideradas elegíveis ao benefício. O valor do Auxílio Brasil será variável. O aumento de quase 20%, elevou o benefício médio para R$ 224,41 em novembro. Até então, o tíquete médio do Bolsa Família girava em torno de R$ 190”, completa a CEO.

Para Cordenonssi, a economia informal está absorvendo a mão de obra que era atendida pelo Auxílio Emergencial. No entanto, isso não é a realidade do Nordeste, por exemplo. A doutora em economia Débora Freire, endossa que nem todos os beneficiários do Auxílio Emergencial seguirão no novo programa.

“Em outubro deste ano, 39,4 milhões de famílias estavam recebendo o Auxílio Emergencial. Somando com aquelas que eram do Bolsa Família, tínhamos 44 milhões de famílias recebendo algum tipo de auxílio. A partir de novembro, somente 14,5 milhões de famílias, que são aquelas que já estavam no Bolsa Família, vão receber o Auxílio Brasil. Temos 29,4 milhões de famílias excluídas de qualquer proteção social via transferência de renda”, afirma Débora.

Novas regras

Nesta quinta-feira (25), a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base que cria os programas Auxílio Brasil e Alimenta Brasil. O relator da medida, deputado Marcelo Aro, alterou o texto enviado pelo Executivo no que diz respeito à renda das famílias que poderão receber os valores do novo programa.

No novo texto, ficam elegíveis ao programa Auxílio Brasil as famílias em situação de pobreza, cuja renda familiar per capita mensal se situe entre R$ 105,01 e R$ 210; e as famílias em situação de extrema pobreza, com renda familiar per capita mensal igual ou inferior a R$ 105. Estes valores são maiores do que os previstos inicialmente pelo governo.

Além disso, para participar do programa, as famílias devem cumprir exigências como à realização do pré-natal, cumprimento do calendário nacional de vacinação, acompanhamento do estado nutricional e frequência escolar mínima. A mudança é vista de maneira positiva para os especialistas que questionavam a falta de regras no novo programa, como existia no Bolsa Família.