Enquadrado pelo governo Jair Bolsonaro na Lei da Segurança Nacional (LSN), o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), vai julgar duas ações apresentadas por partidos políticos contra o dispositivo. Em julho do ano passado, o ministro disse que Exército estava se associando a um “genocídio”, em referência à presença de militares no Ministério da Saúde durante a crise sanitária provocada pelo novo coronavírus. Ele comentava a ausência de um titular na pasta, então comandada interinamente pelo general Eduardo Pazuello desde a queda do médico Nelson Teich mais de 50 dias antes. A declaração levou o Ministério da Defesa a enviar uma representação à Procuradoria-Geral da República, justificada pela LSN, pedindo a responsabilização pela fala.

Os questionamentos ao dispositivo chegaram às mãos do ministro depois que o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o Partido Socialista Brasileiro (PSB) formalizaram arguições de descumprimento de preceito fundamental nesta semana. Enquanto o PTB pede que a lei seja declarada inconstitucional, o PSB sugere uma derrubada parcial do texto, com a manutenção de alguns trechos em vigor.

A Lei da Segurança Nacional foi sancionada em 1983, durante a ditadura militar, pelo presidente João Figueiredo, para listar crimes que afetem a ordem política e social – incluindo aqueles cometidos contra a democracia, a soberania nacional, as instituições e a pessoa do presidente da República.

Desde o início da pandemia, o dispositivo foi encampado pelo governo em pelo menos seis ocasiões, a maioria contra profissionais da imprensa. Especialistas ouvidos pelo Estadão classificam o uso como “equivocado”. Também subsidiou a abertura do inquérito dos atos antidemocráticos, que investiga apoiadores do Planalto, e a ordem de prisão do deputado federal bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ).

A “recuperação” da LSN colocou no mesmo barco os partidos de oposição e apoio ao governo. Para as siglas, a legislação é incompatível com a nova ordem constitucional inaugurada com a redemocratização e abre brecha para violação da liberdade de expressão.

“A Lei de Segurança Nacional vem sendo utilizada para praticamente qualquer circunstância, tendo em vista ser uma norma cheia de termos vazios, o que permite uma interpretação casuística”, escreveu o PTB, que faz parte da base de apoio do governo.

Na outra ponta, o PSB argumenta que “os traços autoritários da LSN decorrem das ideias antidemocráticas que inspiraram a sua edição”. “A invocação cada mais frequente da LSN contra críticos do governo, inclusive jornalistas, gera fundado temor não só nos investigados, mas em toda a sociedade civil, especialmente diante do cenário de erosão democrática que o país vivencia”, afirmou o partido.

O PSB sugere preservar, porém, pontos da lei que protegem o Supremo Tribunal Federal e o Poder Judiciário, como o trecho usado para embasar a prisão de Daniel Silveira, por apologia a ditadura militar e destituição dos ministros do STF. “A democracia, que não é um ‘pacto suicida’, deve contar com as armas necessárias para se defender contra os que ousem ameaçá-la”, defende no pedido.