O paulista Ozires Silva, um dos fundadores da Embraer e grande responsável por tornar a empresa uma referência mundial do mercado de aviação, declarou à DINHEIRO, em 2012, que a companhia “optou ser a cabeça do rato em vez do rabo do leão”. A alusão refere-se ao fato de a Embraer ter escolhido liderar um mercado menor, com a oferta de aviões comerciais de médio porte e de jatos executivos, em vez de ser um coadjuvante de um mercado maior, “que impõe custos bem mais elevados e uma concorrência já estabelecida”. Essa história, porém, mudou. O momento global da aviação é de início de um novo ciclo de investimentos na construção de aeronaves, que ficarão prontas na próxima década. A francesa Airbus assumiu o controle da linha de jatos da canadense Bombardier, a principal rival da Embraer. Isso significa que a competição para a companhia brasileira ficou mais intensa. Ser o rabo do leão era inevitável para a Embraer.

Na manhã de quinta-feira 5, a empresa brasileira anunciou a assinatura de um memorando de entendimentos para a criação de uma joint venture, de capital fechado, com a americana Boeing para o mercado de aviões comerciais. “Essa importante parceria está claramente alinhada a estratégia de longo prazo da Boeing”, afirmou Dennis Muilenberg, presidente da Boeing, A nova companhia terá sede no Brasil. As áreas de defesa e de jatos executivos ficam de fora do negócio, que está avaliado em US$ 4,75 bilhões, o equivalente a R$ 18,5 bilhões (confira o quadro na pág. 45). A Embraer vai ficar com 20% da nova empresa, enquanto que a Boeing, 80%.

Nesse segmento, o de jatos comerciais com capacidade para transportar até 116 passageiros, a companhia brasileira detém nada menos do que 58% do mercado global. “Uma parceria com a maior empresa aeroespacial do mundo significará um imenso benefício para nossas operações, em redução de custos, ganhos de eficiência e de escala”, afirmou Paulo Cesar de Souza e Silva, presidente da Embraer. “Isso nos coloca em uma posição muito boa para enfrentar a concorrência daqui para frente.” O calendário prevê que a joint venture seja finalizada e submetida à análise do governo brasileiro até o fim de outubro.

Novos sócios: segundo Paulo Cesar de Souza e Silva (à esq.), presidente da Embraer, o negócio vai permitir à brasileira enfrentar melhor a concorrência. Já Dennis Muilenberg, presidente da Boeing, disse, em comunicado, que a parceria está alinhada a uma estratégia de longo prazo (Crédito:Divulgação | Devin Boldt)

Depois disso, virão a aprovação dos acionistas e dos órgãos antitruste nos países em que as duas companhias operam. A assinatura definitiva deve acontecer em 2019 e ser consolidada nos resultados da Boeing, a partir de 2020. “Era uma questão de sobrevivência para a Embraer”, diz Francisco Lyra, sócio da CFly Aviation e presidente do Instituto Brasileiro de Aviação. “Com os mercados de China e Rússia se fechando, e todo o poder geopolítico da Airbus, só iria sobrar para a Embraer explorar os mercado latino-americano e africano.”

As ações da Embraer encerraram a manhã da quinta-feira 5 em forte queda de 14,1%, a R$ 23,16. No pior momento do pregão, as cotações chegaram a um mínimo de R$ 22,53, queda de 16,4%, em um dia no qual a bolsa caía 0,7% até o início da tarde. Há duas razões para esse movimento. Uma é a realização de lucros. Até a véspera, a alta acumulada no ano era de 35,4% e de 74%, em 12 meses. Esse desempenho é muito superior aos 2,2% de recuo do Ibovespa neste ano. O que vinha elevando os preços era exatamente a expectativa da associação com a Boeing. A segunda razão é a incerteza com o que ocorrerá com a empresa. “Podemos comparar a Embraer, antes e depois da associação, com a Vale antes e depois da privatização, em 1997”, diz Eduardo Guimarães, sócio da empresa de análise independente Levante. “Mas o impacto será de longo prazo.” Como envolve o governo, que tem golden share na Embraer, há sempre incertezas.

Outro aspecto que ainda está para ser definido é a atuação conjunta na área de defesa. Boeing e Embraer anunciaram que planejam também formar uma segunda joint venture para atuar nesse nicho, incluindo a promoção das vendas do cargueiro KC-390, da Embraer. A divisão militar desperta interesse estratégico para a Boeing competir com a Lockheed Martin, conforme a DINHEIRO antecipou em reportagem de capa em janeiro deste ano. Mas há obstáculos. Um deles é o governo brasileiro, que vê com ressalvas essa parceria. Outro é o contrato da Embraer para receber transferência de tecnologia da sueca Saab (uma rival das empresas americanas de defesa), que vai fornecer os seus caças Gripen à Aeronáutica brasileira. Uma fábrica de aeroestruturas da Saab já foi inaugurada, em maio deste ano, em São Bernardo do Campo, no Grande ABC.