Diante do otimismo observado no mercado financeiro, da previsão de um PIB mais forte a partir do próximo ano e da perspectiva de aprovação de reformas que resolvam o problema fiscal do País, empresários começam a enxergar um horizonte mais positivo para os negócios após um período de frustração prolongada. As incertezas ligadas ao processo eleitoral estão ficando para trás e dando lugar a um impulso maior às vendas, às consultas sobre planos mais ambiciosos e até anúncios de novos investimentos. A roda da economia parece, aos poucos, começar a destravar. Para que esse processo se sustente e tome força, porém, falta ainda conhecer os detalhes do plano traçado pelo novo governo e a estratégia para tirá-lo do papel. Trata-se do impulso necessário para afastar de vez o risco de insolvência das contas públicas, sinalizar uma melhora do ambiente de negócios e transformar o avanço da confiança num ritmo de crescimento mais firme.

Tradicionalmente os índices do mercado financeiro costumam antecipar uma tendência de melhora. A agenda liberal proposta pelo economista Paulo Guedes colou na candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) um selo de reformista e passou a entusiasmar investidores antes mesmo da eleição. O avanço do então candidato impulsionou uma tendência de alta na Bolsa desde meados de setembro, um movimento que vem se sustentando até agora. Na segunda-feira 5, o índice Bovespa atingiu 89.598 pontos, o maior patamar já registrado na história (confira os gráficos ao final da reportagem). A cotação do dólar também embute o sentimento de maior otimismo. A moeda americana já recuou 10% desde o mesmo período e segue cotada abaixo do patamar de R$ 4,00, rompido em agosto. A percepção de diminuição de riscos foi endossada na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, que manteve a taxa de juros em 6,5%. O documento cita uma queda nas incertezas após o período eleitoral.

Aquecendo os motores: o grupo HPE, responsável pela fabricação da marca Mitsubishi no Brasil, anunciou investimentos de R$ 300 milhões para a produção de novos modelos em Catalão (GO)

O entusiasmo com a introdução de um novo rumo de política econômica começa a impactar consumidores e empresários. O horizonte é um crescimento esperado pelo mercado de 2,5% no próximo ano, um desempenho que pode ser superado a depender do sucesso dos primeiros meses do governo Bolsonaro. “A partir das ideias defendidas pelo presidente eleito durante a campanha, minha expectativa é positiva”, afirma Carlos Wizard, fundador do Grupo Sforza. “Reforma da Previdência, redução do tamanho do Estado, controle do gasto público, privatizações e desburocratização são questões fundamentais para que o Brasil entre num ciclo virtuoso de crescimento.” Confiante de que esse conjunto de mudanças irá acontecer de fato o sócio de Wizard, Flavio Augusto, anunciou um investimento de R$ 120 milhões na expansão da rede de escolas de idiomas da Wiser Educação nos próximos 12 meses. O grupo é formado pelos dois executivos e reúne as marcas Wise Up e You Move.

O fundador da indústria têxtil Kyly, Salézio José Martins, também buscou se antecipar aos concorrentes e bateu o martelo num novo investimento sem conhecer os detalhes do plano de Guedes. Com 1,6 mil funcionários, o grupo catarinense aportará R$ 40 milhões para a compra de novos equipamentos no próximo ano. “Com o plano econômico do novo governo, esperamos faturar em torno de R$ 500 milhões em 2019, um crescimento de mais de 10% em relação a este ano.” Martins segue os passos de Luciano Hang, dono da varejista Havan, um dos primeiros a anunciar um investimento após as eleições: R$ 500 milhões para abertura de 20 lojas. “O que eu e todos os empreendedores no País sentimos hoje é mais confiança e segurança para desengavetar aquilo que nós tínhamos de recursos”, afirma o empresário. “Todo mundo estava segurando as verbas por conta das eleições.” Hang foi um apoiador declarado de Bolsonaro e chegou a ser multado sob acusação de coagir os funcionários.

Aposta renovada: o presidente do grupo Ecoville, Leonardo Castelo (dir.), ao lado do irmão, Leandro, na fábrica da companhia. Empresa investirá no desenvolvimento de produtos

O otimismo antecipado ao processo de reformas alcança empresas dos mais diversos setores. O grupo de produtos de limpeza Ecoville pretende desengavetar um plano para investir R$ 10 milhões na abertura de lojas e no desenvolvimento de produtos. Hoje, a empresa tem 1.300 funcionários e 250 lojas. “Estamos com a confiança máxima na economia para os próximos anos”, afirma o presidente da empresa, Leonardo Castelo. Outro sinal de movimentação voltada à perspectiva de 2019 é o aumento percebido nas consultas de empresas interessados em abrir capital. Companhias que vinham se estruturando para captar recursos com uma entrada na Bolsa voltaram a procurar os assessores.

Nas projeções de bancos de investimentos, o ano que vem pode ser marcado por até 30 ofertas iniciais de ações (IPO, na sigla em inglês). “A perspectiva de ter um governo que ataque o problema fiscal, dos gastos e a reforma do Estado, põe a roda da economia para funcionar e levanta a necessidade de os agentes se financiarem”, afirma Jean Marcel Arakawa, sócio do Mattos Filho. “Tem uma retomada dos empresários em se preparar para uma abertura de capital. Essas consultas aumentaram já um dia após o resultado das eleições.” Segundo ele, a tendência é que as operações estejam focadas a levantar recursos para ampliação de investimentos.

Sem foco: em vez de conseguir aprovar a reforma da Previdência, Congresso amplia gastos e eleva o desafio fiscal da próxima gestão. Na foto de terça-feira 6, Rodrigo Maia captura imagem de Bolsonaro

No setor de turismo, o fim das incertezas eleitorais começa a destravar as reservas para o final de ano. No segmento de luxo, a previsão é de um crescimento de 10% para o período – em 2017, as vendas ficaram estagnadas. “As coisas estão retomando ao rumo normal”, afirma Alberto Cestrone, presidente da Associação Brasileira de Resorts. Na avaliação de Cestrone, o prognóstico positivo para o próximo ano deve levar os empreendimentos a efetivar um maior número de funcionários temporários e sinaliza uma temporada de planos de expansão e modernização. “Existe uma confiança da retomada de investimentos para o alto padrão.” Além do aporte de R$ 1 bilhão anunciado pelo grupo Rio Quente (leia mais aqui), o executivo acredita na movimentação de mais companhias do setor.

MONTADORAS Embalados pelo desempenho do mercado doméstico, os executivos do setor automotivo se posicionam para um período positivo. “O crescimento do mercado vai ser ajudado pelo novo governo”, afirma Eduardo Jin, presidente da Hyundai. “Isso vai permitir termos mais confiabilidade para investir.” Além da expectativa quanto à aprovação das reformas, o setor responde à aprovação do novo marco regulatório, o programa Rota 2030, com as diretrizes tributárias, de tecnologia e segurança que orientarão as decisões dos próximos anos. A BMW anunciou um investimento de R$ 125 milhões para produzir novos modelos na fábrica de Araquari, em Santa Catarina. O grupo HPE, responsável pela produção nacional de modelos da Mitsubshi, confirmou aportes de R$ 300 milhões para a produção de novos carros na unidade de Catalão, em Goiás.

Salézio José Martins, presidente do Grupo Kyly: “Com o plano econômico do novo governo, esperamos faturar R$ 500 milhões em 2019”

A visão é positiva entre a maioria das montadoras. Algumas, porém, sinalizam um pouco mais de cautela sobre o volume e o momento correto de ampliar investimentos. “O novo governo reafirma uma retomada que já esperamos que vá continuar em 2019”, afirma Marco Silva, presidente da Nissan. A companhia prevê um avanço nas vendas de veículos até 10% no próximo ano. “Vamos esperar os três meses do novo governo para saber qual vai ser o nível de crescimento e poderemos fazer um anúncio grande para o Brasil.” Segundo ele, um aumento de capacidade no País já está sendo avaliado com a matriz no Japão. A empresa está prestes a iniciar o terceiro turno de produção na fábrica de Resende (RJ). A Toyota anunciou no final de setembro um investimento de R$ 1 bilhão na unidade de Indaiatuba e abriu o terceiro turno na linha de produção de Porto Feliz (SP). “A aprovação do Rota 2030 vai dar previsibilidade e poderemos ter mais investimentos.” O programa foi aprovado no Congresso na quarta-feira 7 (leia mais aqui).

No plano concreto, o que embasa o sentimento mais otimista é o ambiente macroeconômico saudável, com inflação controlada (o IPCA de outubro fechou em 4,56% no acumulado em 12 meses) a baixa taxa de juros e a retomada – ainda que tímida – do crédito e do consumo. Na confiança, o horizonte é de mais longo prazo e mira a aprovação de reformas, o que para muitos reserva uma boa dose de riscos (leia mais no texto “De cara com a realidade” ao final da reportagem). “O otimismo do mercado se baseia na percepção de que o presidente fará as reformas, e de que o ultraliberal Paulo Guedes vai privatizar estatais e reformar o Estado”, diz Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda (leia a entrevista aqui). “Se isso ocorrer, o otimismo continua. Caso contrário, entraremos em um processo de deterioração das expectativas.”

Heitor Klein, presidente da Abicalçados: “O setor está mais otimista porque os anúncios vão na direção certa. Porém, o diabo mora nos detalhes

Entre empresários e economistas, há ainda preocupações de outras naturezas, desde a fusão de ministérios até a proposta de abertura de mercado esboçada no plano de Guedes. Declarações desencontradas entre a equipe de Bolsonaro, somadas à resistências do Congresso, geram incertas sobre a direção da pauta. “Como estão batendo muita cabeça, é preciso esperar um pouco esse cenário para as coisas começarem a aparecer”, afirma Fernando Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit). Nesse setor, a retomada do consumo poderá ser inicialmente suprida pelo parque fabril que ainda está ocioso.

Num levantamento recente da Abit, apenas 8% dos empresários afirmaram ter intenção de fazer novos investimentos. Entre os fabricantes de calçados, a capacidade ociosa está próximo de 30%. “A nossa expectativa é que o governo atue nas reformas com o propósito de diminuir o custo Brasil”, afirma Heitor Klein, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados). “O setor está mais otimista porque os anúncios que estão sendo feitos vão na direção certa. Porém, o diabo mora nos detalhes.” Não só na forma, mas sobretudo na maneira como eles se transformarão em iniciativas concretas.


De cara com a realidade

Passada a euforia do processo eleitoral, a equipe do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) enfrenta os primeiros testes das dificuldades que irá encontrar para passar a pauta ultraliberal de Paulo Guedes em 2019. A indicação inicial é ruidosa e começa no próprio grupo que ocupará os gabinetes de Brasília. Declarações de Bolsonaro sobre a reforma da Previdência entraram em choque com as ideias do assessor econômico e foram interpretadas como uma indicação de que a revisão possa ser mais branda do que o esperado. “Sou obrigado a desconfiar para buscar uma maneira de apresentar o projeto. Não briguei para chegar e agora mudar tudo”, afirmou Bolsonaro em entrevista à Band, na segunda-feira 5.

A resistência externa também fica clara ao novo grupo. Tanto o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, como o do Senado, Eunício Oliveira, negam o ambiente para a aprovação do texto da reforma apresentada pelo governo Temer e que já tramita no Legislativo. Não só. Ainda aceitam pautas que complicam mais a proposta de Guedes de zerar o déficit fiscal em 2019, como o aumento aprovado de 16% aos salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A medida gera um custo adicional estimado em R$ 4 bilhões aos cofres públicos.