Superar adversários faz parte da rotina do carioca Pedro Zinner, 46 anos, presidente da Eneva, gigante brasileira de geração de energia. Todos os dias, o executivo sobe ao tatame para praticar jiu-jítsu com o colega e diretor-financeiro da empresa, Marcelo Habibe, como forma de “aliviar o estresse”. O treino, segundo ele, ajuda também a dar confiança ao time nas mesas de negociação. Na última semana, ele deu clara demonstração de força e determinação. No primeiro dia de março, Zinner formalizou uma proposta de R$ 6,9 bilhões para incorporação da concorrente AES Tietê, controlada pela americana AES Corporation. “Se aprovada a fusão, isso resultará em empresa criada a partir de duas que são estrelas dentro dos seus segmentos de geração”, disse o presidente à DINHEIRO.

Zinner se reuniu com o conselho de administração da Eneva horas antes do envio da oferta à AES Tietê. Um encontro tranquilo, de acordo com ele, diante de um assunto que já era discutido havia quase um ano. Já na segunda-feira, a conversa foi com os funcionários nas plantas para passar a mensagem do valor a ser gerado da potencial combinação. “Apesar de uma base de ativos de quase R$ 10 bilhões, não se constrói e não se faz nada sem as pessoas. É bom saberem o que a gente está fazendo e como.” A Eneva tem cerca de 1 mil funcionários. A AES Tietê tem 400.

A Eneva é a maior geradora termelétrica privada do País, com capacidade de 2,8 mil megawatts (MW), sendo 2,2 mil em operação e o restante em desenvolvimento. Faturou R$ 2,9 bilhões até o terceiro trimestre de 2019. Já a AES Tietê produz cerca de 3,4 mil MW e teve receita bruta de R$ 2,2 bilhões no ano passado. Combinadas, resultariam numa empresa responsável pela geração de 6,1 mil MW de capacidade instalada e faturamento anual superior a R$ 5 bilhões, além de se tornar uma das maiores geradoras privadas com capital local. O negócio está sujeito à aprovação dos acionistas da AES Tietê, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), autarquia reguladora vinculada ao Ministério de Minas e Energia, e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

O potencial da possível fusão anima Zinner por envolver portfólios bem diversificados. Enquanto a primeira tem capacitação maior no segmento de geração térmica – gás natural e carvão mineral –, a segunda possui competências no setor hídrico, além de investir no eólico e no solar. Na visão do empresário, gerações térmica e hídrica são complementares no período de produção de caixa. “A hídrica normalmente gera muito caixa em período único, que é o primeiro semestre, com mais chuvas. E a térmica gera caixa na segunda parte do ano, que é a fase seca. Essa nova empresa atenderia parte da demanda de crescimento do próprio País.”

A perspectiva de crescimento das empresas é outro atrativo. Enquanto a Eneva tem portfólio de geração de energia 100% contratada, vinculada à PPA (contrato de energia elétrica entre o comprador e o desenvolvedor do projeto) de longo prazo, a AES Tietê tem parte do portfólio descontratado, o que geraria um mix em termos de energia contratada e descontratada e em fontes alternativas de geração. “Prefiro olhar o que é melhor para as duas companhias e não só para uma. É uma situação de ganha-ganha. É bom para nós, é bom para eles. E é bom para os acionistas.”

Independentemente do desfecho da negociação, o presidente garante a manutenção dos investimentos previstos pela Eneva no Brasil com a aplicação de R$ 3 bilhões nos próximos 18 meses. Além dos campos em atividade no Maranhão (Complexo Parnaíba I, II, III e IV e Itaqui), no Ceará (Pecém II), a empresa possui três projetos em andamento, no Maranhão (Complexo Parnaíba V e VI), no Amazonas (Azulão) e em Roraima (Jaguatirica II). Já a AES Tietê desenvolve o Complexo Tucano, na Bahia, além de unidades de geração distribuída em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. A empresa opera usinas e pequenas centrais hidrelétricas em São Paulo, além do Complexo Eólico Alto Sertão, na Bahia. No segmento voltado à produção de energia solar, opera os complexos Guaimbê e Ouroeste, também em São Paulo.

PORTFÓLIO: Eneva busca diversificar geração de energia com aquisição da AES Tietê. CEO Pedro Zinner está confiante no sucesso da empreitada.

NEGÓCIO O valor de R$ 6,9 bilhões proposto pela Eneva na operação prevê o pagamento de 40% em dinheiro (R$ 2,76 bilhões) e 60% em ações da Eneva, além de os ativos da AES Tietê serem incorporados à companhia. Os acionistas da AES Tietê, que vão colocar uma parte em dinheiro no bolso como prêmio, receberiam 13,3% sobre o valor da cotação de sexta-feira, dia 28 de fevereiro, na bolsa de valores e passariam a ser acionistas da empresa combinada, que terá o nome Eneva. “Os acionistas da AES Tietê, AES Corporation, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Eletrobrás e os demais da base também poderiam usufruir todas as sinergias e crescimento da nova companhia, que terá balanço mais sólido e com expertise maior e completa em todas as fontes de geração”, diz o diretor-financeiro, Habibe.

Caso a proposta seja aceita pela AES Tietê, a divisão societária da nova empresa teria fundo Cambuhy Investimentos e BTG Pactual com 17,8% das ações cada um; AES Corporation, 5,5%; BNDES, 6,5%; e Eletrobrás, 1,8%. Procurada pela DINHEIRO, a AES Tietê respondeu, por meio de nota, que a proposta enviada pela Eneva será analisada pela administração e que o mercado será informado sobre eventuais desdobramentos.

A ampliação do portfólio da Eneva com a possível incorporação da AES Tietê é algo a ser valorizado, na avaliação do consultor Andreu Wilson, sócio da área de energia no Lima Feigelson Advogados e professor da pós-graduação na PUC do Rio. O especialista destaca o fato de a Eneva ter a 80% da produção concentrada na geração térmica – e apenas 20% em renováveis –, enquanto a AES Tietê possui os mesmos 80% voltados ao setor hidrelétrico, além de apostar no eólico e no solar, justamente os pontos levantados por Zinner. “É decisão mais do que acertada da Eneva, principalmente quando muito se discute e se investe no aproveitamento de fontes renováveis”, afirma Wilson. “O Brasil é privilegiado na questão da energia solar e dos ventos. Essa fusão, se confirmada, será muito bem-vinda para o País.”