Além da origem mineira, os empresários Eugênio Mattar, um dos fundadores da locadora de veículos Localiza, e João Vitor Menin, presidente do Banco Inter, têm mais alguns pontos em comum. Um deles é que ambos lideram negócios oriundos da chamada Velha Economia. A Localiza foi fundada por Eugênio, seu irmão Salim e seus dois primos, em 1973, como uma agência de locação de veículos no centro de Belo Horizonte. O Banco Inter, antes chamado Intermedium, nasceu em 1994 como um braço financeiro da construtora MRV, fundada pela família Menin em 1979. O outro ponto é que ambos estão dedicando tempo e dinheiro para investir em startups finaceiras, as chamadas fintechs. Eles buscam companhias que ofereçam soluções tecnológicas para ganhar competitividade e manter a liderança em seus negócios tradicionais. Em 2016, Mattar adquiriu, por R$ 46 milhões, 25% da fintech de educação financeira Toro Investimentos. “Dentre todos os setores, o financeiro é o que passa pela transformação mais acelerada”, diz Mattar. “Esse investimento está conectado com o futuro da indústria”.

A família Menin foi mais fundo. Ela fechou as agências do Intermedium, encurtou seu nome para Banco Inter e o transformou em uma fintech que oferece serviços bancários sem cobrar tarifas e baseado apenas em uma plataforma digital. A transição foi concluída no dia 30 de abril, quando o Inter tornou-se a primeira startup financeira do Brasil a ter ações negociadas na B3. A oferta pública de ações (IPO, na sigla em inglês) captou R$ 721 milhões. A maior parte desse dinheiro será investida em tecnologia, em marketing e na expansão das operações de crédito, além de financiar eventuais aquisições. “Apostamos no digital como uma estratégia para competir com os grandes bancos”, diz João Vitor, filho de Rubens Menin, o fundador da construtora MRV.

Os investidores gostaram da estratégia. Até a quinta-feira 3, as ações tinham subido 2,2%, apesar da queda de 3,6% do Índice Bovespa nesse período. Seu valor de mercado chegou a R$ 1,9 bilhão. O que agradou aos investidores foram os números sólidos do Inter. A base de clientes vem crescendo de maneira quase exponencial. No fim de 2017, eram 379 mil. No primeiro trimestre deste ano, atingiram cerca de 500 mil. Os lucros foram de R$ 48,2 milhões em 2017, alta de 89% em relação ao ano anterior, elevando a rentabilidade patrimonial de 7,5% em 2016 para 13% em 2017, apesar do crescimento acelerado. “Isso mostra o equilíbrio do modelo de negócio do banco mineiro”, diz Rafael Passos, analista da Guide Investimentos.

Banco Inter abre capital: Rubens Menin (à esq.), fundador da MRV, ao lado de João Vitor Menin, presidente do Banco Inter, a primeira Fintech a ter ações negociadas na Bolsa (Crédito:Claudio Gatti)

Renascido como fintech, o Inter quer se aprofundar ainda mais na tecnologia. E aqui está o terceiro ponto em comum entre os Menin e os Mattar. Por meio da aceleradora Orbi, mantida pelo banco, pela MRV e pela Localiza, o Inter investe em outras fintechs. Uma delas é a Acerto, que cria soluções para a renegociação online de dívidas. Outra é a Cotak, que facilita os cálculos para a cotação de seguros. Além das duas startups, a aceleradora abriga outras 13 companhias de tecnologia que recebem mentoria e apoio financeiro. “Fica muito mais fácil investir em startups por meio da Orbi”, diz Mattar. Isso não quer dizer que o fundador da Localiza não tentou um voo solo, como foi o caso da Toro.

Fundada em 2011 pelo empreendedor mineiro Gabriel Kallas e mais cinco sócios, a startup nasceu como uma empresa de educação financeira, vendendo e-books e guias de como investir em ações e renda fixa. Desde seu início, ela diz ter educado cerca de 1 milhão de investidores. Com o aporte de Mattar, a Toro passou a ter planos mais ousados. No primeiro semestre deste ano, ela vai se tornar uma corretora, que pretende oferecer uma plataforma de serviços diferenciada, com o uso intensivo de tecnologia. Kallas não esconde a importância do investimento e da mentoria de Mattar no processo de profissionalização. “Ele nos ajudou a formar uma visão de longo prazo”, diz o empreendedor.

Assim como Mattar e Menin, outros empresários estão rompendo os laços de seus negócios tradicionais. Um exemplo é Carlos Wizard Martins, um dos empreendedores mais bem-sucedidos do País. Em 2013, ele investiu na Hub Prepaid, startup especializada em meios de pagamento, em conjunto com Rodrigo Borges. No ano passado, Wizard apostou no Social Bank, uma plataforma desenvolvida por Borges que permite transferir dinheiro e intermediar empréstimos entre pessoas pelo celular. Atualmente, o aplicativo de Social Bank já contabilizou 70 mil downloads – o número de clientes ativos não é revelado. Wizard vislumbra integrá-lo a seus outros negócios, usando a plataforma como um meio de pagamento. E há espaço de sobra para isso.

Pedro Sirotsky gestor dos fundos E.bricks: “Nossos investidores são empresários que querem acompanhar as mudanças no mercado” (Crédito:Divulgação)

O empreendedor é o principal franqueador de redes de fast food no Brasil, como Pizza Hut, KFC e Taco Bell, além da rede de lojas de produtos naturais Mundo Verde. Ele também é sócio na escola de inglês WiseUp. Desde janeiro deste ano, o Social Bank processa os pagamentos de funcionários do Mundo Verde e do Taco Bell. A meta inicial é integrar as 400 lojas das empresas que investe. “O próximo passo é permitir que os clientes usem o sistema para pagar pelos produtos, usando o próprio celular, para ganhar escala”, diz Wizard. “O maior desafio não está na tecnologia, mas em conscientizar os clientes dessa possibilidade.”

O que motiva os empresários da Velha Economia a se aproximar do mundo dinâmico e disruptivo das startups é a necessidade de se adaptar a um mercado que muda rapidamente. “As grandes companhias evoluem desenvolvendo produtos que melhoram soluções existentes, ao passo que as startups promovem a criação de soluções”, diz Guilherme Horn, líder de inovação da consultoria Accenture. Essa aproximação ocorre por diversos caminhos. Uma forma segura é apostar em fundos de investimentos. Um bom exemplo é a e.Bricks Ventures, gerido por Pedro Sirotsky, da família controladora do grupo de comunicações gaúcho RBS. “Nossos parceiros são empresários que desejam acompanhar as mudanças do mercado para alavancar os seus negócios”, diz Sirotsky.

Misto de gestora de fundos e aceleradora, o e.Bricks Ventures recebeu R$ 280 milhões de 24 famílias com uma trajetória estabelecida na economia tradicional, como a Randon, dona da empresa gaúcha de autopeças Randon, com faturamento anual de aproximadamente R$ 4 bilhões. Até mesmo empresários da Nova Economia, como Marco Stefanini, dono da Stefanini, uma das empresas de tecnologia mais internacionalizadas do Brasil, participam do negócio. “Os grupos tradicionais investem para conhecer tecnologia, nós investimentos para agregar novas tecnologias ao nosso portfólio.”

Carlos Wizard empresário: “O maior desafio é conscientizar os clientes que é possível pagar pelos produtos com o celular” (Crédito:Tiago Queiroz/AE)

Um empresário tradicional de São Paulo, que prefere não se identificar, dá outro motivo para apostar em startups financeiras. “Buscamos também ter retorno financeiro com os aportes”, afirma. Os recursos do e.Bricks Ventures são aplicados em dois fundos, que fizeram aportes em 15 empresas. As duas maiores, não por acaso, são fintechs. A mais conhecida é a Guia Bolso, solução online para a gestão financeira e crédito pessoal, que auxilia o usuário a entender, planejar e controlar suas finanças. Outra é a Contabilizei, que oferece serviços de contabilidade online para pequenas e médias empresas.

São iniciativas como essa que a diretora da ABFintechs, Stephanie Fleury, espera que se multipliquem nos próximos meses. Pelo seu cálculo, as fintechs receberam R$ 1 bilhão em aportes no ano passado. “Esse valor tende a aumentar com o apoio dos órgãos reguladores”, diz Stephanie. Ela se refere à regulamentação das fintechs de crédito, concedida pelo Banco Central (BC) no dia 26 de abril. Além de facilitar suas relações com o sistema bancário tradicional, o BC liberou o investimento de fundos, antes limitado a 5% do capital. “É uma regulamentação positiva, que dá conforto para os investidores”, diz Horn, da Accenture.

O empresário Jorge Paulo Lemann, o homem mais rico do Brasil, dono da rede de lanchonete Burger King e Tim Hortons e da empresa de alimentação Kraft Heinz, além de controlador da maior cervejaria do mundo, AB InBev, disse, na semana passada, que se sente “um dinossauro apavorado”, durante um seminário do Instituto Milken, nos Estados Unidos. O comentário foi feito depois ao participar de um painel, que mostrava as transformações que aconteciam no mundo dos negócios por conta da tecnologia. Assim como Lemann, os empresários da Velha Economia não querem ter o mesmo fim dos dinossauros.