Os dirigentes brasileiros vivem a expectativa de votação no Senado de projeto que pode revolucionar a administração dos clubes de futebol. Proposta do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) possibilita a transformação das agremiações em empresa limitada ou de sociedade anônima, além de propor renegociação de dívidas e carga tributária 40% menor em relação a uma companhia tradicional. Juntos, os 20 principais times do País devem quase R$ 7 bilhões ao governo federal ou à iniciativa privada, segundo a Sports Value, empresa de marketing esportivo responsável por estudo sobre as finanças das associações. Enquanto a proposta segue em discussão em Brasília, clubes como Red Bull Bragantino e Ferroviária apostam em gestão empresarial para obter lucro e, principalmente, fortalecer a marca.

Gestão profissional, nova estrutura e força econômica movem o Red Bull Bragantino, segundo a agremiação. O clube de Bragança Paulista foi comprado pela empresa austríaca de bebidas energéticas por cerca de R$ 45 milhões, em 2019. Com orçamento de R$ 200 milhões para 2020, agitou o mercado de transferências no início da temporada. Os investimentos em contratações somaram aproximadamente R$ 85 milhões, atrás apenas ao do Flamengo no Brasil, que gastou cerca de R$ 150 milhões. A folha salarial mensal está na faixa de R$ 2,5 milhões. O caixa do clube é composto por dinheiro da Red Bull, bilheteria, cota de TV, venda de produtos e patrocínio na camisa. O montante é mantido em sigilo.

PODERIO: O Red Bull Bragantino já investiu cerca de R$ 85 milhões em reforços para a temporada 2020, atrás apenas do Flamengo, que gastou na faixa de R$ 150 milhões. (Crédito:Divulgação)

Mais do que investimento no elenco e qualidade na administração, a empresa projeta oferecer as melhores condições aos profissionais. Por isso a construção de um segundo centro de treinamento (já tem um, em Jarinu/SP) e a ampliação do Estádio Nabi Abi Chedid, de 15 mil para 20 mil lugares, estão entre as prioridades da diretoria. “Queremos disponibilizar estrutura das mais modernas aos nossos jogadores”, diz o diretor executivo do Red Bull Bragantino, Thiago Scuro.

A agremiação busca se alinhar aos projetos da matriz austríaca, também proprietária – apenas no futebol – do RB Leipzig (Alemanha), New York Red Bull (Estados Unidos) e do Red Bull Salzburg (Áustria). “Posso garantir que lucrar com vendas futuras de atletas não é a nossa prioridade e, sim, ganhar com a valorização da marca por meio do desempenho esportivo”, afirma o CEO.

Scuro faz elogios ao projeto de clube-empresa, principalmente pelo caráter facultativo. “É fundamental que o clube possa escolher se quer ou não segui-lo. A equidade tributária e fiscal e a possibilidade de evolução do modelo de gestão adotado atualmente pelas agremiações também precisam ser valorizados”, diz ele, com apenas uma ressalva. “Não vejo como papel do Estado resolver as questões financeiras dos clubes. Temos entidades responsáveis por regulamentar o futebol, como a Confederação Brasileira de Futebol (CBF).”

Em campo, o Red Bull Bragantino disputa a Primeira Divisão do Paulista e tem presença confirmada na Copa do Brasil e na elite do Brasileiro. Já o time B atua na Série A-2 do Estadual sob o nome de Red Bull Brasil, com atletas de até 23 anos. Outra agremiação que espera fazer bonito dentro e fora dos gramados é a Associação Ferroviária de Esportes, que deu origem à empresa Ferroviária SA, em 2003. O modelo de gestão garantiu ao clube de Araraquara o acesso à Série A-3 do Paulista (já em 2004), à A-2 (2007) e à elite (2015). Em 2009, o Estádio da Fonte Luminosa foi transformado em arena multiuso.

Em novembro de 2019, o clube teve 57% de suas ações adquiridas pela MS Sports, que tem como sócio um dos herdeiros da Casas Bahia, Saul Klein. A quantia desembolsada não foi revelada pelas partes. Proposta da empresa é revelar talentos para lucrar com futuras transações. Para isso, plano é reforçar e valorizar o elenco durante as disputas do Paulista e da Série D do Brasileiro, a última divisão nacional, tendo em vista o objetivo de estar na elite do País em 2025. “A opção pela Ferroviária se deve ao projeto institucional do clube, com fortes marcas de planejamento, excelência na gestão e transparência administrativa. O clube-empresa de Araraquara é hoje prova de existência de modernidade no futebol brasileiro”, diz a MS Sports, que, a exemplo da Red Bull, em Bragança Paulista, busca cativar a torcida. O investimento da empresa – mantido em sigilo – está voltado ainda para a estrutura de trabalho dos profissionais das equipes, com a intenção de tornar a agremiação uma das maiores reveladoras de atletas do Brasil.

EXPECTATIVA Enquanto Red Bull Bragantino e Ferroviária dão prosseguimento ao fortalecimento das marcas, a Associação Portuguesa de Desportos luta para não desaparecer. Com dívidas estimadas em RS 350 milhões, aposta no projeto de clube-empresa para atrair investidores. Assim, mira equacionar os cerca de 500 processos na Justiça e celebrar em alto estilo o centenário de fundação, no dia 14 de agosto. O presidente Antonio Carlos Castanheira revela a criação de uma comissão para estudar o projeto do clube-empresa e afirma que todo o planejamento está montado em cima da mudança na gestão, que inclui a profissionalização de todos os departamentos, e já iniciada por ele. “Esse é o nosso futuro. O futebol tem de ser gerido como um negócio, não adianta gerenciar como paixão. Precisa de profissionalização, planejamento e organização”, diz.

Com as contas bloqueadas, a diretoria tem buscado fechar as negociações em espécie para evitar a retenção de valores, como aconteceu com os cerca de R$ 1,5 milhão recebidos da Federação Paulista de Futebol como cota para disputar o Estadual e como tem ocorrido com os aluguéis do ginásio de esportes para uma igreja, além do espaço de uma churrascaria na Marginal Tietê, sede do clube, em São Paulo. Outra solução para manter os compromissos em dia tem sido a locação do Estádio do Canindé e anexos para eventos.

A Portuguesa tem 1.200 sócios. A intenção é reaproximar os torcedores. Por isso, a agremiação lançou em janeiro novo programa de sócio-torcedor. São cinco planos disponíveis com valores entre R$ 15 e R$ 1.000.

PIONEIRO O planejamento e a confiança demonstrados por Red Bull Bragantino, Ferroviária e Portuguesa já não condizem com a realidade do União São João. Pioneiro no Brasil no modelo de administração empresarial, em 1994, o clube está licenciado das competições da Federação Paulista de Futebol desde 2015, por falta de recursos financeiros. E o que é pior: sem previsão de retorno. O time de Araras completou 39 anos de fundação no dia 14 de janeiro e goza em sua história do privilégio de ter revelado um dos principais laterais do futebol mundial: Roberto Carlos, ex-Palmeiras, Corinthians e Seleção Brasileira.

A euforia da agremiação com os títulos das séries B e C do Brasileiro (1996 e 1988, respectivamente), além de vencer a Segunda Divisão do Paulista (1987), se transformou em frustração na metade desta década, quando já sem recursos financeiros teve de paralisar as atividades – o último jogo oficial foi em setembro de 2014. O fim da ‘lei do passe’, que mantinha o jogador preso ao clube ao término de contrato, a morte do investidor Hermínio Ometto e o custo mais elevado para gerenciar o futebol são apontados por pessoas ligadas ao clube como as razões para a derrocada. A diretoria diz que há proposta de investidores para assumir o futebol, mas aposta em mudanças na lei para retomar o rumo, como a possibilidade de captação de investimento estrangeiro. Enquanto isso, cuida da manutenção do Estádio Hermínio Ometto e busca se livrar das dívidas, estimadas em R$ 5 milhões.

MAIS DO MESMO O sócio diretor da Sports Value, Amir Somoggi, critica o clube-empresa. Para o administrador de empresas, especializado em gestão esportiva, proposta segue os princípios do Profut (Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro) e da Timemania (loteria organizada pelo Governo Federal para ajudar os clubes participantes a pagarem suas dívidas com a União) ao ter como objetivo o auxílio às agremiações em vez de discutir mudança estrutural na administração do futebol.

“A questão não é apenas transformar em empresa e dar exigências empresariais para a gestão do futebol. Novamente se discute refinanciamento para as dívidas fiscais, como aconteceu com o Profut e com a Timemania”, afirma Somoggi, ao destacar que, em 2015, apenas o Profut ingressou mais de R$ 700 milhões nas contas dos clubes em descontos de dívidas sonegadas. “As agremiações não equilibram suas finanças por conta do alto gasto e ignoram as questões tributárias e previdenciárias. Utilizam a sonegação como ferramenta de gestão.”

Segundo ele, a nova legislação sempre traz esperança de mudança na gestão dos clubes, embora acredite que, na prática, a situação não irá se alterar. “Nós poderíamos fazer uma mudança que pudesse impactar, como aconteceu na Inglaterra, Itália, Espanha, Alemanha. E mais uma vez os clubes só querem benesses ao invés de seguir uma cartilha de administração moderna e eficiente.”

Já Carla Dualib, consultora de marketing esportivo e responsável pela idealização e deals de patrocínio do futebol brasileiro, classifica como “perfeito” o modelo clube-empresa. “Uma sociedade anônima fundada para cuidar dos ativos do clube com receitas de TV, patrocínios, licenciamentos, franquias. Onde os profissionais sejam capacitados e remunerados para gerir o futebol não só dentro das quatro linhas, mas também no ambiente corporativo.” Neta do ex-presidente do Corinthians Alberto Dualib, ela enaltece a possibilidade de as agremiações abrirem capital na bolsa de valores. “O clube social, onde houver, mantém as ações da S.A, e tão logo for possível realiza-se um IPO, abrindo-se o capital na bolsa de valores. A venda das ações alavancará financeiramente os clubes brasileiros e exigirá uma gestão absolutamente profissional e competente”, afirma.