Uma das principais explicações para a baixa qualidade do trabalho dos jovens está na falta de experiência, menor nível de conhecimento por causa da idade e uma rede pequena de contatos. Esses fatores também são o motivo para o elevado nível de desemprego entre os jovens – fator amplamente analisado e documentado no Brasil.

Mas os números do IDados, calculados com base na literatura internacional, revelam que o problema vai além da quantidade de vagas de emprego para essa faixa etária. O trabalho mostra em quais condições o jovem entra no mercado, afirma o economista da Tendências Consultoria Integrada Thiago Xavier.

Esse cenário, avaliam especialistas, traz consequências para o País e para toda uma geração de trabalhadores. A baixa qualidade do emprego deixa o jovem mais desprotegido no caso de ser demitido ou de uma doença, sobretudo se esse trabalhador está na informalidade – 32,7% dos jovens não têm carteira assinada.

Nesse caso, ele não terá direito ao seguro-desemprego e ficará sem renda, diz o economista Bruno Ottoni, pesquisador do IDados e responsável pelo trabalho. Em muitos casos, isso tem reflexo direto na renda das famílias, que contam com esses recursos no dia a dia e terão de refazer o orçamento diminuindo o consumo.

Para o jovem, esse emprego considerado vulnerável poderá representar o abandono dos estudos e uma estagnação do capital humano, que é o conjunto de conhecimento, habilidades e atitudes que ajudam na execução do trabalho.

A má qualidade desse emprego também eleva a rotatividade do jovem no mercado. “A experiência adquirida ao longo do tempo desenvolve capitais específicos. Sem isso, poderemos ter trabalhadores que não conseguiram se desenvolver de forma adequada ao longo do tempo”, diz o professor do Insper Sérgio Firpo.

Produtividade

Outro reflexo dessa vulnerabilidade do trabalho dos jovens pode respingar na produtividade da mão de obra brasileira, que não tem evoluído muito nos últimos anos. Entre 1981 e 2018, a produtividade do trabalho avançou apenas 0,4%, segundo dados do Ibre/FGV. “A rotatividade elevada, por exemplo, prejudica o ganho de produtividade. Se esse índice é alto, a empresa não vai investir na capacitação desse trabalhador e se torna uma profecia autorrealizável. Uma coisa aumenta a outra.”

De acordo com o estudo do IDados, baseado nos números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, quase metade dos jovens não contribui com a Previdência. Além disso, muitos não têm benefícios como plano de saúde ou vale-refeição. É o caso de Lais Matos, de 23 anos. Ela acaba de completar um mês empregada numa rede de lojas, na área de recursos humanos. Entra às 8 horas e não tem horário para sair. Só recebe vale-transporte e não tem nenhum outro benefício. “E quando precisa tenho de acumular funções para cobrir a falta de mão de obra no departamento, que está sobrecarregado”, diz a trabalhadora. Como outros milhares de jovens, ela busca adquirir experiência na área para ter melhores oportunidades no mercado.

Considerando a população total ocupada (não só os jovens), o Brasil tem níveis de qualidade do trabalho parecidos com o de países como Honduras (41,6%) e Nicarágua (43,3%) e bem pior do que Costa Rica (18,8%) e Panamá (29%).

Primeiros a serem demitidos

Os jovens em trabalhos vulneráveis são os que mais sofrem com os efeitos de uma crise. Por terem menos experiência e, muitas vezes, não terem vínculo empregatício, são os primeiros a serem demitidos, diz Bruno Ottoni, da consultoria IDados. “Eles também são os que têm mais dificuldade para voltar ao mercado de trabalho.”

É o caso de Caroline Rosa de Carvalho, de 20 anos, desempregada desde junho. Estudante de Direito, ela fazia estágio na área jurídica, onde recebia uma bolsa-auxílio de menos de um salário mínimo e vale-transporte. “A remuneração era baixa, mas queria adquirir experiência”, diz Caroline.

Desde que ficou sem emprego, está buscando novas oportunidades no mercado, mas não tem tido sucesso. “As empresas exigem uma experiência que ainda não tenho. Para mim, esse é o maior obstáculo na volta ao mercado de trabalho, especialmente num momento tão delicado como agora (por causa da pandemia).”

O economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social, diz que os jovens da faixa etária entre 15 e 19 anos e entre 20 e 24 anos foram os que tiveram maior queda na renda entre o primeiro e segundo trimestres deste ano. No primeiro grupo, o recuo foi de 34% e no segundo, de 26%. Com isso, a participação dos jovens no mercado de trabalho recuou 20% e 11%, respectivamente, diz ele. Na média geral, essa queda foi de 8,6%.

“Os jovens já vinham perdendo muito nos últimos anos e perderam mais uma vez (na pandemia). Além da renda, as horas trabalhadas caíram muito e a jornada de estudo também”, diz o economista.

Em alguns casos, a perda do emprego representou o abandono dos estudos, como no caso de Pamela Lacerda Costa, de 20 anos. Ela está desempregada desde dezembro. “Para estudar tenho de trabalhar”, afirma ela, que tem procurado emprego como vendedora nas lojas do Bom Retiro e pela internet. Pamela diz que hoje qualquer loja pede um ano de experiência em carteira. “Ao mesmo tempo que querem gente nova, também exigem experiência.” Nesse tempo desempregada, ela tem feito trabalhos esporádicos para conseguir algum dinheiro.

MP ficou no papel

No fim do ano passado, o governo do presidente Jair Bolsonaro lançou o programa de emprego Verde Amarelo para incentivar a contratação de jovens de 18 a 29 anos que não haviam tido nenhum emprego com carteira assinada.

A medida provisória (MP 905/2019) que instituiria o programa, porém, não foi votada no Senado e, em abril deste ano, Bolsonaro decidiu revogar o texto, com a promessa de que editaria um nova versão com regras específicas para o período da pandemia – o que ainda não foi feito.

Estudo realizado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) afirma que a pandemia do novo coronavírus vai representar para juventude uma geração perdida. No Brasil, no terceiro trimestre, a taxa de desemprego entre os jovens com idade entre 18 e 24 anos ficou em 31,4%, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Mensal (Pnad Contínua), do IBGE.

Com a medida provisória que criaria o contrato Verde Amarelo, o governo falava em gerar até 1,8 milhão de postos de trabalho até o fim de 2022. O teto da remuneração na modalidade seria de 1,5 salário mínimo.

A grande aposta do governo para estimular a contratação desses jovens estava na isenção da contribuição patronal do INSS (de 20% sobre os salários), das alíquotas do Sistema S e do salário educação. Além disso, a contribuição para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) ficaria em 2%, ante os 8% dos contratos normais de trabalho. O valor da multa do FGTS também cairia de 40% para 20%, desde que houvesse acordo entre empregado e empregador no momento da contratação.

Para configurar o primeiro emprego desses jovens, não seriam consideradas atividades anteriores como trabalhador avulso, intermitente, menor aprendiz ou contratos de experiência. O prazo máximo dos contratos foi estipulado em 24 meses.

O projeto recebeu muitas críticas. Parecer da consultoria legislativa do Senado avaliou como inconstitucional o governo isentar empresas de contribuições que incidem sobre a folha de pagamento, o cerne da proposta. Segundo os técnicos, o benefício fiscal poderia ser considerado irregular. Além disso, para bancar o programa, o governo taxaria em 7,5% o seguro-desemprego, mas a análise dos técnicos apontou que essa cobrança feria a Lei de Responsabilidade Fiscal e o teto de gastos (que proíbe que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação). As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.