Um caso real. Um jovem, morando em um loft paulistano, antes da pandemia, raramente saía do apartamento. Dirigia um Audi, não do ano. Em horários estranhos, estava na piscina. De seis em seis meses trocava de namorada. Mas, afinal, vizinho, o que você faz da vida? “Trabalho com TI.” Bem-vindo ao novo mundo, tecnológico, em que praticamente todo negócio precisa desse sujeito: o Dev, ou desenvolvedor. Nem mais o estereótipo de nerd solteiro eterno ele tem. E nem a pecha de que só homens trabalham na área existe. Basta ver comunidades TI como Pyladies, Rails Girls e Women Who Code, com representantes no Brasil e que crescem a cada ano. Claro que é um exemplo caricato, nem todos vão ter essa vida — vão ter uma melhor, provavelmente.

Ainda no campo das exatas que não mentem, a Brasscom, Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e de Tecnologias Digitais, em sua recente pesquisa 2021, estima que até 2025 o Brasil tenha uma demanda de perto de 800 mil novos talentos na área de desenvolvimento, programação e afins. Ou seja, 160 mil empregos por ano, só aqui. E o mundo não é mais só o Brasil para esse profissional em trabalho remoto. ‘Ah, mas é um chute alto’, alguns dirão. Será? As estatísticas da instituição mostram algo diferente, já que projetaram, lá em 2019, 56 mil novos empregos para 2021 — e só até setembro do ano citado já haviam sido contratados 123 mil novos profissionais.

PELOTÃO, SENTIDO! O Brasil precisa criar praticamente um exército de profissionais na área de tecnologia nos próximos anos e a empresa de Rodrigo Terron espera suprir 20% dessa demanda até 2023. (Crédito:Renato Silva)

Realmente o horizonte mostra uma crise de mão de obra no setor, já que o ensino superior brasileiro forma por volta de 50 mil profissionais por ano, num mercado de altas demandas de software, serviços de TIC e TI InHouse no Brasil de R$ 154 bilhões em 2020, o que representa 1,7% de nosso PIB de 2021, de R$ 8,7 trilhões. “Muitos talentos durante o home office na pandemia migraram para empresas em outros países, aumentando ainda mais a demanda por desenvolvedores e programadores”, afirmou Rodrigo Terron, 29 anos, COO da Edtech Rocketseat e fundador e CEO da Shawee, empresas interligadas que miram o universo de formação desses profissionais. As duas startups foram adquiridas em 2021 pelo grupo argentino Digital House, que aportou investimento de R$ 150 milhões, tornando-a a maior comunidade de desenvolvimento de software da América Latina. “O fato de o brasileiro ter um perfil generalista o ajuda a trafegar por diferentes áreas. Ele é valorizado pela criatividade e resiliência na resolução de problemas complexos”, disse o jovem executivo, que pretende escoar de suas salas de formação mais de 100 mil programadores até 2023, o que representaria 20% da demanda até o ano, dentro dos números da Brasscom. Hoje, diz ter 25 mil alunos em seus cursos de especialização. “A maior demanda é por desenvolvedores de softwares sêniores, que podem ganhar de R$ 12 mil a R$ 25 mil, isso se ele não estiver recebendo em dólar ou euro, aumentando a remuneração.”

REI NA BARRIGA Hoje é comum, na área, especialistas técnicos receberem mais que lideranças e gestores, pois o que o sujeito entrega, seja produtividade, experiência ou facilidade em resolver problemas complexos, é a moeda da vez. Esse way of life do tecnólogo não é algo que cria um aventureiro fugaz, causando volatilidade no mercado? “Um bom desenvolvedor de software recebe propostas às vezes semanalmente. As empresas têm de estruturar mecanismos e benefícios de retenção”, disse Terron, que acrescenta que o desenvolvedor médio não costuma ser o protagonista na criação de uma empresa.

A Rocketseat tem foco em especialização, com 70% de seus alunos já no mercado de trabalho. O brasileiro de TI está pau a pau com o resto do mundo, dominando as principais linguagens do setor, seja Java, Phyton, React.JS ou SQL, e temos profissionais em papéis de liderança nas principais bigtechs do mundo. A fagulha será levar a tecnologia para mais pessoas e reduzir as barreiras de acesso à educação, a equipamentos e infraestrutura de internet — tarefa do governo. A Shawee é uma das grandes promotoras de hackathons no País, espécie de competição introduzida em ambientes de trabalho para estimular desenvolvimento e solução de problemas complexos na área. Entre seus clientes estão Claro, IBM, iFood, Itaú, Smiles e XP Investimentos. “Projetamos crescer em receita 300% em 2022, em relação ao ano anterior.” A matemática e a demanda estão a seu lado.