Outro dia me perguntaram se as startups iriam matar as grandes corporações, os incumbentes. Não sou grande fã de profecias radicais e apocalípticas. A provocação ia ainda mais longe. Será que as corporações, ao se tornarem cada vez mais ágeis, vão competir de igual para igual com as startups?

O que vai de fato acontecer? Como será o futuro? Quem morre e quem predomina?

Quando olho para trás e faço uma retrospectiva, racionalizando sobre o que aconteceu até hoje, fica claro para mim que a dinâmica não vai mudar. A grande vantagem competitiva da startup em relação a grande corporação é, como numa referência à Teoria da Evolução das Espécies de Charles Darwin, a sua adaptabilidade. A corporação é mais forte (do ponto de vista econômico) e mais inteligente (quando consideramos todo o seu capital humano), portanto a startup deve se adaptar mais rápido. Não importa quão rápida e grande a corporação se torne, sempre existirá espaço para inovação se manifestar no ecossistema de startups.

Como não nego meu passado de engenheiro, nem minha paixão por geometria (risos), vou me permitir fazer uma analogia para descrever essa dinâmica entre startups e corporações: visualize uma sala quadrada e com pé direito alto. Imagine quatro esferas grandes que ocupam toda sala, sendo que cada uma delas encosta na outra e todas encostam no chão, no teto e nas paredes, ocupando todo espaço. Repare que as esferas se encostam umas nas outras num único ponto. É também num único ponto que as esferas tocam as paredes, o teto e o chão.

Digamos que essa sala é um grande mercado, um mercado qualquer que você queira escolher, o mercado financeiro ou de comércio eletrônico, por exemplo. As esferas são as grandes empresas deste mercado, as corporações, os incumbentes, os big players.

Você diria que neste mercado existe espaço para crescer?

Sob o olhar dos céticos com certeza não. Os céticos têm seus olhos exatamente na metade da altura da sala. A única coisa que eles enxergam é uma esfera tocando a outra e não há um vão sequer entre elas. O mercado está quase todo tomado.

Já os empreendedores estão deitados no chão da sala, brincando com suas bolinhas de gude. Da perspectiva deles é possível visualizar as quatro esferas, que só tocam o chão em quatro pequeninos pontos. Para eles, o mercado é completamente inexplorado, virgem, um oceano azul.

As empresas que estão montando são, por enquanto, pequenas bolas de gude, soltas no chão dessa sala. Elas têm muito espaço para rolar, experimentar e descobrir. Enquanto a corporação, já grande e disputando market share com outras corporações, tem muito menos liberdade. A corporação está literalmente presa. A startup poderá encontrar seu product market fit antes de começar a crescer em tamanho.

Além de mais liberdade para experimentar, a startup também tem muita oportunidade gerada pela sombra das quatro grandes esferas que estão lá no alto.

Esferas

Essa startup ainda vai ter muito espaço para crescer antes de começar a incomodar as esferas que estão acima dela. Num determinado momento, já grande o suficiente, a esfera da startup finalmente toca a esfera da corporação. A startup começa, então, a empurrar as demais esferas. Muitas vezes num movimento rápido, que gostamos de chamar de disruptivo.

Nesse momento há alguns caminhos alternativos: a sala (mercado) cresce para acomodar o crescimento da nova esfera; alguma das outras esferas diminui de tamanho, perdendo espaço; ou uma das esferas grandes adquire a esfera que a está incomodando.

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Na competição entre corporações, é também cada vez mais comum a prática de Venture Capital pelas próprias empresas, o chamado Corporate Venture Capital (CVC). De acordo com o artigo de meu sócio, Anderson Thees, para o TechCrunch, um sexto das startups brasileiras que levantaram mais de US$ 1 milhão tem entre seus investidores um CVC.

É justamente na pequena fenda da competição entre duas grandes corporações que a startup brota. Mesmo no Vale do Silício tem sido assim por mais de 40 anos.

O Global Center for Digital Business Transformation, uma iniciativa da IMD e da Cisco, entrevistou quase 1000 executivos de 15 indústrias sobre as vantagens e desvantagens das startups nessa briga de David e Golias.

A verdade é que não importa quão grande seja o mercado ou quão grande sejam as grandes empresas. As startups sempre estarão mais próximas do problema, em contato mais próximo com o cliente e com maior velocidade para se adaptar. A startup é desenhada para experimentar, para ter uma estrutura organizacional rasa, para testar hipóteses de forma despretensiosa e repetitiva.

Top 5 vantagens relativas das startups (Fonte: DBT Center 2015)

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As grandes vantagens da startup, como pode observar acima, derivam diretamente da sua cultura (experimentação e agilidade).

Em compensação, as corporações se ancoram no seu posicionamento de mercado para se defender das ameaças.

Top 5 vantagens relativas das empresas estabelecidas (Fonte: DBT Center 2015)

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Às grandes corporações resta se tornarem cada vez mais ágeis, responderem prontamente o mercado e encurtarem seus ciclos de produto e inovação.

Já as startups, se por um lado ganham novos competidores, de outro conquistam novos cooperadores. Nunca antes as grandes corporações estiveram tão abertas a parcerias e contratação dos serviços de startups.

A maior riqueza gerada por esta dinâmica não é a competição em si entre startups e grandes corporações. O que é realmente especial é o número de novas salas, nunca imaginadas antes, que essa dinâmica cria.

Isso é a inovação. Quanto maior o número de novos mercados, maiores as opções ao consumidor.

 

Romero Rodrigues é sócio da Redpoint eventures e membro do Conselho da Wayfair.com (NYSE:W), Ascenty, Neogrid, Viajanet e Endeavor.