O desafio declarado da Casa Branca à investigação de um julgamento político pôs o processo em crise, com os aliados e os adversários de Donald Trump em disputa, de olho na eleição presidencial americana de 2020.

Enquanto alguns acreditam que o esforço da presidente da Câmara de Representantes, Nancy Pelosi, para responsabilizar Trump pelo escândalo da Ucrânia tem um perfil constitucional, os leais a Trump veem nele um abuso de poder.

De qualquer maneira, é provável que o processo provoque um “pesadelo nacional”, como manifestou o estudioso de Direito Constitucional Cass Sunstein em seu livro de 2017 “Impeachment: A Citizen’s Guide” (“Impeachment: um guia para o cidadão”, em tradução livre).

A questão é: os democratas vão conseguir obter os documentos e depoimentos de testemunhas cruciais para levar o processo adiante? Entre elas, estão diplomatas americanos, cujas mensagens de texto mostram que ajudaram a coordenar os esforços de Trump para pressionar a Ucrânia a investigar seu principal adversário político, o ex-vice-presidente Joe Biden.

Trump pode frustrar o processo e bloquear a supervisão do Congresso?

– Prova de fogo –

Até hoje, em 243 anos de história dos Estados Unidos, os processos de impeachment aconteceram apenas três vezes.

Os ex-presidentes Andrew Johnson e Bill Clinton foram acusados pela Câmara de Representantes, mas sobreviveram aos julgamentos no Senado, enquanto Richard Nixon renunciou em 1974 diante a ameaça de um julgamento político e de uma condenação no Senado.

A crise atual “é um enfrentamento histórico”, disse à AFP Chris Edelson, especialista em governo na American University.

“Certamente é a primeira vez” que um processo de impeachment se concentra em acusações de pressionar o líder de outro país a interferir nas eleições americanas, afirmou.

A Casa Branca e seus defensores aproveitaram a recusa de Pelosi de fazer uma votação para lançar a investigação, argumentando que todo processo é ilegítimo.

“Nada nas regras da Câmara (Baixa) requer que se aprove uma resolução antes de que toda Câmara (…) possa tomar medidas para exercer o poder de um julgamento político”, afirmou o professor de Direito Frank Bowman, da Universidade do Missouri.

– Quais os próximos passos –

Vários comitês da Câmara estão reunindo informação como parte da investigação. Segundo Pelosi, há um “corpo crescente de evidência” que mostra que Trump abusou do cargo. Congressistas democratas consideram que será possível avançar no processo de impeachment ainda este ano.

O governo Trump já se prepara, porém, para uma guerra nos tribunais. Um caso iniciado na terça-feira, em Washington, ligado com a investigação do procurador especial Robert Mueller sobre a ingerência russa nas eleições de 2016 pode ser chave.

Ao alegarem perante um juiz que os pedidos da Câmara para receber material sobre a investigação de Mueller foram negados, os advogados do Departamento de Justiça citaram o caso do impeachment de Nixon, afirmando que os tribunais não deveriam ter entregue dados do grande júri do Watergate ao Congresso, informou o jornal “The Washington Post”.

Nixon recorreu à Suprema Corte em sua tentativa frustrada de evitar a libertação de gravações incriminatórias da Casa Branca, o que antecipa a possibilidade de que a mais alta instância jurídica dos EUA se veja dragada na atual disputa.

Os democratas avaliam os custos de participar de uma longa batalha judicial, ou agregar a alegação de obstrução aos artigos do processo de impeachment e simplesmente acioná-lo.

“Os esforços de três anos ainda estão em curso para obter acesso às declarações de renda do presidente Trump ilustram perfeitamente o quão efetiva” uma equipe legal da Casa Branca pode ser para deter procedimentos judiciais, escreveu o acadêmico constitucional da Faculdade de Direito de Harvard Laurence Tribe, no “USA Today”.

Se Trump for acusado, o processo segue para o Senado para um julgamento político de impeachment, onde poderá se defender.

Até agora, poucos senadores republicanos expressaram profunda preocupação com o comportamento de Trump. Sendo necessários dois terços dos senadores para uma condenação. Com os republicanos no controle da Casa, com 53 cadeiras contra 47, as probabilidades de êxito ainda estão a favor do presidente.

A crise se desenvolve apenas meses antes das primárias democratas, que começam em fevereiro em Iowa, e a pergunta é: os eleitores querem que o “impeachment” domine a corrida presidencial?

Pesquisas recentes mostram que pelo menos metade dos eleitores aprova a investigação.