Em guerra com o poder Judiciário desde que foi eleito, em 2018, o presidente Jair Bolsonaro resolveu acirrar a disputa nos últimos dias com uma série de declarações polêmicas e uma clara invertida constitucional para livrar um aliado político da prisão.

Isso porque na quinta-feira (21), o presidente resolveu conceder indulto presidencial – uma espécie de perdão para crimes que não sejam hediondos e graves – para o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 8 anos e 9 meses de prisão. Pesam contra o deputado, aliado do segundo escalão do bolsonarismo, o estímulo a atos antidemocráticos, ataques abertos às instituições brasileiras e aos ministros do Tribunal.

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Foram 10 votos a 1 pela condenação do deputado pelo Supremo, ainda na quarta-feira (20), posicionamentos desconsiderados no dia seguinte pelo decreto do presidente, amparado no artigo 84, inciso XII da Constituição.

Desde então, Bolsonaro demonstrou confiança que o STF não vai derrubar seu indulto e voltou a afirmar que está representando os desejos do povo brasileiro. Além disso, mais um acontecimento voltou a acender a velha questão da validade da corrida eleitoral.  Neste domingo (24), o ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do STF, Luís Roberto Barroso, disse que as Forças Armadas têm sido orientadas a atacar o processo político no País.

A reação foi imediata e contou com uma nota firme do Ministério da Defesa, responsável pelo comando Militar, pontuando a declaração como “irresponsável” e “ofensa grave” aos poderes militares.

Ministro da Secretaria-Geral da Presidência e general da reserva, Luiz Eduardo Ramos foi adiante em post nesta segunda (25), no Twitter: “Nossas Forças Armadas estarão sempre vigilantes pelo bem do nosso povo”.

Presidencialismo de confrontação

Sociólogo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rodrigo Prando explica que Bolsonaro adota um “presidencialismo de confrontação”, posição que o projeta eleitoralmente e reafirma as teses de sua base política. Este comportamento se faz ‘necessário’ sempre que ele está ameaçado – desta vez com o ex-presidente Lula (PT) liderando todas as pesquisas de opinião, ainda que a distância entre os dois esteja diminuindo nas últimas semanas.

“O Bolsonaro assume o presidencialismo de confrontação como elemento constituinte do DNA do seu governo, por isso ele governa elegendo seus inimigos e eles vão mudando. Os ataques ao sistema eleitoral e ao Supremo Tribunal Federal dão a ele visibilidade, em especial à sua base militante mais forte e que o coloca virtualmente no segundo turno”, disse Prando.

Ontem, durante abertura do Agrishow, em Ribeirão Preto (SP), Bolsonaro disse que “somente Deus pode” tirá-lo do cargo de presidente, indicando, mais uma vez, que qualquer resultado além de sua própria vitória será objeto de fraude às urnas eletrônicas.

Prando acredita que o presidente dá sinais preocupantes contra a Democracia e puxa para o seu lado os militares de alta patente. Por outro lado, os ministros do STF falam fora dos autos processuais e dão munição para que o presidente siga avançando em seu discurso.

“São fios desencapados que podem dar um curto-circuito e trazer problemas”, completou.

Separação entre instituições de Estado e composição de governo

A conjugação de governo, partidos políticos, interesses políticos e Forças Armadas não deveriam figurar na mesma posição, no entanto, são institutos colocados como objetos de uma única representação de Estado, personificada no estilo de gestão de Bolsonaro.

O sociólogo do Mackenzie explica que é necessário separar o que é instituição de Estado do que é governo político, e ter militares – da ativa ou da reserva – atuando diretamente no dia a dia da política gera um conflito entre os interesses.

“A gente espera que todos os chefes das Forças (Armadas) respondam sempre à Constituição e que essa crise gerada pela situação em que o Brasil se encontra não traga consequências maiores para a sociedade e para a vida política brasileira”

Uma ruptura democrática em um possível revés eleitoral, como promete Bolsonaro, trará problemas que fogem do âmbito político e devastam a economia. “Isso não interessa ao mercado, aos industriais, aos trabalhadores, a nenhum brasileiro que a vida política e a normalidade sejam suspensas, independente de quem for consagrado nas próximas eleições”, observou Prando.