No dia do casamento de Priscilla e Binho, uma garoa chata caía sobre São Paulo. Embora estivesse ansiosa na noite anterior, a noiva acordou faltando apenas uma hora para a cerimônia, arrumou-se às pressas e chegou atrasada ao cartório de Santana, na zona norte, para sofrimento do noivo que, empacotado em roupas sociais e visivelmente nervoso, checava o relógio de pulso a cada instante.

Eram 9h17 de sábado quando Priscilla apareceu toda de branco, levantando a barra do vestido para não molhar. Com o cabelo ornado por uma coroa de noiva, entrou na recepção segurando um buquê com flores de plástico. Chamava atenção por ser a única vestida dessa forma no cartório.

Entre os presentes, o matrimônio era tratado como uma vitória. Namorados há 21 anos e noivos há dois, Priscilla e Binho têm deficiência intelectual, cujas causas nunca receberam diagnóstico. Ela tem 40 anos e aprendeu a ler e a escrever. Ele, com 51, nem isso. Embora trabalhe como empacotador em um supermercado, não consegue administrar o próprio dinheiro.

O casal enfrentou uma série de dificuldades e recorreu à ajuda de advogado para formalizar a união civil. Na sala de cerimônia, Binho se embananou para repetir à risca os votos de casamento.

Nada que o deixasse constrangido. “Estou realizando um sonho”, disse após assinar seu nome na certidão: Robinson Roberto Padrini. Na linha abaixo, foi a primeira vez que Priscilla Faustina de Oliveira também usou o sobrenome Padrini.

Direito

Priscilla e Binho já moram juntos há cerca de um ano, sob os cuidados de Maria José. Sem pintura externa e repleta de rachaduras, a casa fica no Imirim, na zona norte, e é alvo de um processo de usucapião. “Se a gente for despejado, não sei o que vai ser”, afirmou a idosa.

Alcoólatra, os pais de Binho morreram cedo e ele foi criado desde a infância por Maria José, a quem chama de mãe. O casal se conheceu na escola, no fim dos anos 1990. A história de amor, Binho começa contando assim: “Sem querer, eu peguei na mão dela…”. E termina com um beijo correspondido no ponto de ônibus.

Na véspera do casamento, a noiva decidiu dormir fora. “Ele não podia me ver arrumada, dá azar”, justificou. Havia histórico para acreditar em má sorte: o episódio mais emblemático aconteceu logo após a festa de noivado, ao tentarem marcar uma data para a união.

Primeiro, um tabelionato justificou que o domicílio do casal não fazia parte da sua circunscrição e recusou o pedido. Depois, em Santana, ouviram que, por causa da deficiência, só agendariam o matrimônio com autorização judicial. Priscilla saiu correndo de lá e foi chorar no meio da rua.

Segundo a Lei de Inclusão à Pessoa com Deficiência, de 2015, mesmo quem é interditado judicialmente pode casar. “Nós fizemos um dossiê mostrando que feria a legislação”, disse o advogado Lucas Nowill de Azevedo, que abraçou o caso. “O cartório entendeu e reverteu a decisão.”

Consultora da Apae de São Paulo, órgão que prestou apoio jurídico ao casal, a advogada Stella Reicher disse que casos semelhantes são comuns, mesmo com a lei em vigor. “Esse processo representa um momento mágico, porque fortalece essa conquista e cria precedente.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.