Por Lisandra Paraguassu e Maria Carolina Marcello

BRASÍLIA (Reuters) – O ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo disse nesta terça-feira que as ações do Itamaraty durante a pandemia, como buscar insumos para cloroquina e limitar a adesão ao consórcio Covax Facilities, foram feitas com orientação do Ministério da Saúde.

Em depoimento à CPI da Covid no Senado, Araújo, que deixou o posto ao ser demitido em março deste ano, afirmou que o Itamaraty agiu desde o início, através das embaixadas, para buscar informações sobre pesquisas de medicamentos e vacinas contra a Covid-19. No entanto, o ex-chanceler afirmou que decisões sobre busca de insumos foram tomadas pela pasta da Saúde.

“O Itamaraty, praticamente em todos os momentos, atuou por coordenação com o Ministério da Saúde”, disse Araújo, acrescentando que a estratégia de negociações em relação à vacina Oxford/Astrazeneca e o consórcio Covax Facilities, foi definida pela Saúde. “Houve uma estratégia, como eu disse, definida, ao que eu sei, fundamentalmente pelo Ministério da Saúde.”

Questionado sobre a decisão do governo brasileiro de aderir ao Covax pelo mínimo exigido –a compra de vacinas equivalente a 10% da população, em vez do máximo permitido, 50%– Araújo garantiu também que a decisão foi tomada pela Saúde.

“Essa decisão não foi minha, não foi do Ministério das Relações Exteriores, foi uma decisão do Ministério da Saúde, dentro da sua estratégia de vacinação”, garantiu. “Foi uma decisão tomada, entendo, pelo Ministério da Saúde, e não sei se coordenou com outros órgãos, mas não com o Itamaraty.”

Ao ser perguntado sobre quem teria dado a ordem no ministério, respondeu: “Não sei quem deu a ordem. Entendo que qualquer decisão do Mistério da Saúde é do ministro.”

À época, o ministro da Saúde era Eduardo Pazuello, que será ouvido na quarta-feira pela CPI.

A adesão do Brasil ao consórcio foi feita em setembro de 2020. Em dezembro, foi anunciada a decisão pelo valor mínimo – o equivalente a 42,5 milhões de doses de vacina, o suficiente para imunizar apenas 21,25 milhões de brasileiros.

À época, como mostrou a Reuters, o governo brasileiro apostava no contrato para desenvolvimento da vacina Oxford/Astrazeneca, produzida no Brasil pela Fundação Osvaldo Cruz. Ao mesmo tempo em que optou por um contrato mínimo com o consórcio, o ministério arrastou por meses as negociações com a Pfizer, que foram concluídas apenas em março.

Araújo disse ainda que não considera que a demora do governo brasileiro em aderir ao Covax e a opção por um número relativamente pequeno de vacinas tenha prejudicado o recebimento dos imunizantes pelo Brasil. Até agora, o Brasil recebeu pouco menos de 4 milhões de doses pelo consórcio.

Araújo disse ainda que o Itamaraty fez contato com a Índia para liberar uma carga de insumos para fabricação de cloroquina –medicamento defendido pelo presidente Jair Bolsonaro para tratamento da Covid-19, mas que não tem eficácia– a pedido também do ministério.

Segundo o ex-chanceler, com o surgimento de informações, em março do ano passado, de que a cloroquina poderia ser usada para tratamento da Covid-19, o governo indiano teria bloqueado as exportações, mas o Brasil já teria uma importação dos insumos acertada.

“Em função de um pedido do Ministério da Saúde foi que nós procuramos ajudar a viabilizar uma importação de insumos para farmacêuticas brasileiras produzirem hidroxicloroquina”, afirmou.

Perguntado se a houve ação do presidente Jair Bolsonaro em relação a essa questão, Araújo confirmou que recebeu uma orientação direta do presidente para que tratasse da questão.

CARTA DA PFIZER

O ex-ministro confirmou o atraso na resposta a carta enviada pela Pfizer a diversas autoridades do governo brasileiro, incluindo o presidente Bolsonaro. Segundo o ex-presidente da Pfizer no Brasil Carlos Murillo, a carta permaneceu quase dois meses sem uma manifestação do governo brasileiro.

A lista de destinatários incluía, além de Bolsonaro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, os então titulares da Saúde, Eduardo Pazuello, e da Casa Civil, Braga Netto, o vice-presidente Hamilton Mourão e o embaixador do Brasil nos Estados Unidos Nestor Forster.

Segundo Araújo, a carta foi tema de um telegrama do embaixador a ele.

“O telegrama da Embaixada em Washington mencionava que já tinha sido dado conhecimento direto ao Ministério da Saúde, a quem, em nosso entendimento, cabia toda a centralização da estratégia de vacinações”, justificou, ao responder que providências foram tomadas pelo Itamaraty.

Questionado se havia comunicado Bolsonaro, respondeu que não, “porque presumia que o presidente da República já soubesse”.

O ex-ministro disse desconhecer os motivos da falta de resposta à farmacêutica.

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