O dia internacional do rock, comemorado anualmente em 13 de julho, marca uma celebração do estilo musical que revolucionou a cultura ocidental a partir dos anos 60. No Brasil, o rock passa por um momento de pouca criatividade, mas de resgate e exploração de sua história, ilustrado exemplarmente pelo documentário “Você Não Sabe Quem Eu Sou”, sobre a história de Nasi, vocalista do Ira!.

Dirigido por Alexandre Petillo, Rodrigo Cardoso e Rogério Corrêa, o longa estreou no festival de documentários musicais In-Edit, em 2018, mas ganhou versão mais enxuta e completa neste ano, quando foi o mais assistido em exibição online do mesmo projeto audiovisual.

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“Quando estreou, a gente percebeu que algumas histórias precisavam de uma lapidada. O próprio Nasi sugeriu personagens importantes da história que tinham ficado de fora, como o delegado Olim, que tentou levá-lo para um hospital psiquiátrico, o Thaíde, que foi lançado pelo próprio Nasi, que o descobriu no centro de São Paulo”, diz Petillo, que escreveu a biografia do cantor e começou a desenvolver o filme sem qualquer patrocínio.

O cineasta conta que a equipe gastou, em mais de sete anos de gravação, um total de R$ 350 mil, pagos a conta-gotas do bolso dos próprios produtores, que visavam à venda para TV por assinatura e exibição em plataformas de streaming. A dificuldade de obter patrocínio cultural direto a uma produção audiovisual não desanimou os diretores – eles estimam que o filme tenha sido visto por mais de 5 mil pessoas, o que é não é nada desprezível para um filme independente feito por uma equipe de 22 pessoas.

“Mesmo com toda essa repercussão do filme e sua boa performance de público, estamos falando de um mercado muito restrito e, sem apoio das leis do audiovisual, não é possível viver de cinema no Brasil”, afirma Petillo. “Como o patrocínio direto é difícil, praticamente impossível, não somente para nós, que somos pequenos, como para grandes produtoras”.

Se o documentário vai pagar o filme? “Não recuperamos não (o investimento), mas ainda temos esperança”, diverte-se Petillo.

O negócio do cinema nacional

Desde 1961, com a criação do Grupo Executivo da Indústria Cinematográfica (Geicine), até os dias atuais, com a Agência Nacional do Cinema (Ancine), criada em 2001, o cinema nacional passou por diversas fases. A famosa Lei Rouanet, que cria mecanismos de isenção fiscal para empresas fomentarem a cultura nacional, surgiu no governo Collor, em 1991, quando apenas um filme brasileiro foi feito, Carlota Joaquina, de Carla Camurati.

Embora tenha crescido exponencialmente nos últimos 25 anos, a Ancine passa por uma grave crise com o Tribunal de Contas da União (TCU) desde 2019, ano em que o fomento cultural começou a cair drasticamente – e que coincide com o primeiro ano do governo Bolsonaro. O tribunal apontou diversas irregularidades na gestão da agência, que perdeu fôlego no fomento, regulamentação e distribuição do cinema nacional.

“Os mecanismos de fomentos públicos para o audiovisual são de extrema importância para a potencialização do setor, pois possibilitam acesso aos recursos financeiros para executar o projeto. A descentralização inteligente dos recursos através do fomento direto almeja uma pluralidade de olhares, e isso resulta em um cinema mais rico, pungente e diverso”, analisa a cineasta Cíntia Domit Bittar, diretora do curta Baile, feito por meio do edital Prêmio Catarinense de Cinema.

Ainda em 2019, um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica da Universidade de São Paulo (USP) calcula que o cinema respondia por 0,44% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Esse levantamento aponta que até 70% dos filmes brasileiros exibidos entre 1995 e 2016 foram contemplados com alguma forma de incentivo público.

“Importante frisar que investir no setor não é algo do Brasil, como alguns insistem em pensar e nem é desperdício de dinheiro. Muitos países fomentam seus setores audiovisuais porque sabem que é um dinheiro que volta aos cofres públicos sob a forma de geração de impostos e receita”, afirma Bittar.

Um exemplo é o ganhador do Oscar de 2020, o sul coreano “Parasita”, de Bong Joon-ho, que contou com maciços investimentos estatais – o governo da Coreia do Sul investe também, por exemplo, na boy band BTS, que dissemina a cultura do país asiático em todo o mundo.

“Aqui no País o setor chegou a ultrapassar indicadores econômicos de setores tradicionais como o têxtil, farmacêutico, turístico. E dados da Ancine apontam que o que retorna para o governo é mais que o dobro do valor investido. Ou seja, além de gerar arte, cultura, emprego e renda, investir em audiovisual é um bom negócio para os cofres públicos”, argumenta Bittar.

A PhD em sociologia Patrícia Medeiro de Melo publicou uma pesquisa científica sobre o financiamento do cinema em 2009, quando constata que o cinema brasileiro nunca pôde ser visto como uma indústria consolidada e, que embora deva submeter-se à lógica mercadológica, consegue manter-se como arte de resistência em um mercado sensível à democratização da cultura.

Falar de cinema brasileiro independente tem muito a ver com o rock: ambos resistem em favor da cultura. Tanto a proposta para fazer literalmente do nada um filme sobre o Ira!, como para contratar profissionais através de fomento cultural, é insistir em remar contra a corrente e exaltar a arte. O fomento estatal é essencial ao setor, que precisa se provar sempre para estar apto a captar montantes elevados de dinheiro – fazer cinema de qualidade não é barato (exceção feita ao ícone Glauber Rocha, mas esta é outra conversa).

“Interromper essas políticas é jogar fora um século de desenvolvimento. Hoje o nosso horizonte é cheio de dúvidas e apreensão, mas com a certeza de que a grandeza do cinema brasileiro resistirá. O sucesso do cinema brasileiro aqui dentro e lá fora é fruto do encontro das políticas públicas com os talentos do setor. E essas políticas precisam ser continuadas, melhoradas e ampliadas para quem sabe um dia eu possa responder plenamente: sim, é possível viver dignamente de cinema no Brasil”, conclui Bittar.