Depois do vai-não-vai nos últimos anos, a novela da abertura de capital da Kalunga vai ganhar novos capítulos ainda neste ano. Desde a virada de cenário entre o fim de 2020, quando a empresa protocolou o pedido na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), e a onda de fechamentos no comércio no início de 2021, que culminou na suspensão do IPO em março passado, a retomada dessa agenda passou a depender de uma recuperação geral do mercado. “Mas as conversas não pararam”, afirmou Hoslei Pimenta, diretor de operações da companhia desde 2004.

O executivo reitera que, internamente, esse horizonte está atrelado à volta da rede aos patamares de faturamento registrados antes da pandemia, o que acredita que deve acontecer em 2022. Para ele, “o plano [do IPO] pode ser retomado até o fim deste ano para que aconteça em 2023”. A Kalunga pretende levar seus papéis à bolsa para aprimorar sua estrutura de capital e potencializar investimentos do plano de expansão. Antes, precisará enfrentar um ano duro, que pode exigir o enxugamento da rede, hoje com 222 lojas no País. “Estamos repensando sobre manter ou não algumas lojas”, disse Pimenta.

Assim, a companhia não fará investimentos na rede em 2022, embora tenha quatro aberturas previstas para este ano, frutos de contratos já assinados com fornecedores e que não puderam ser adiados. Então, para segurar as margens, sacrifícios podem ser necessários. Em pontos nos shoppings, nas regiões de classe alta e nos centros das grandes cidades, o faturamento chegou a cair 35%. Em São Paulo, as lojas na Avenida Paulista e a da Faria Lima, centros corporativos da capital, estão esvaziadas. “Já o movimento em bairros periféricos cresceu.” São elas que sustentam a perspectiva de recuperação dos patamares neste ano e que demandam 220 contratações para dar conta da demanda de volta às aulas, já 13% acima de 2021.

KALUNGA/SPIRAL

“O plano [do IPO] pode ser retomado até o fim deste ano para que aconteça em 2023” Hoslei Pimenta, diretor de operações da Kalunga.

O faturamento de R$ 2,7 bilhões em 2019 foi a referência da gestão para definir as metas de Pimenta para este ano. O volume representa crescimento de 15% sobre 2021. Mesmo com os desafios da economia, o diretor da operação confia na volta das aulas presenciais e no fortalecimento do e-commerce, que dobrou durante a pandemia, para garantir a recuperação. A Kalunga tem 13% do segmento de materiais escolares e para escritório, e confia na resiliência dessa fatia para se reerguer com o setor. Para 2023, o planejamento é enfim voltar a crescer, a um ritmo de 14% ao ano.

RESSALVAS Mas o caminho para a abertura de capital inclui outros obstáculos, como as ressalvas do mercado sobre a governança da companhia. Controlada pelos sócios Paulo e José Roberto Garcia, filhos do fundador, Damião Garcia, a Kalunga tinha uma dívida líquida de R$ 740 milhões em 2020. Os irmãos, que deviam eles mesmos cerca de R$ 480 milhões à companhia, venderam sua empresa de fornecimento de produtos de papelaria e escritório, a Spiral, por R$ 106 milhões para a própria Kalunga. O movimento teria sido a forma encontrada para reduzir a alavancagem, uma vez que a varejista tinha também uma dívida (de R$ 134 milhões) com a Spiral. Os recursos obtidos pelos Garcia com a transação seriam, à época, usados para pagar parte do débito, e o restante seria quitado pela venda das suas ações – em 2021, o processo de IPO buscava levantar mais de R$ 1 bilhão na B3. Isso representaria a saída da família do controle da rede.

GOVERNANÇA Controlada pelos irmãos Paulo e José Roberto Garcia (foto), a Kalunga tinha uma dívida líquida de R$ 740 milhões em 2020, o que levantou questionamentos no mercado. (Crédito: Fabio Braga)

Todo o imbróglio levantou questionamentos entre investidores. A empresa afirma ter, desde então, aprimorado sua estrutura de governança corporativa e os controles internos, além de ter criado um conselho de administração, um comitê de auditoria, uma área de compliance e adaptado o seu estatuto social ao Novo Mercado. É o mínimo se quiser se adequar ao mercado de capitais.