Uma semana depois de o governo federal anunciar um pacote de concessões e privatizações de 57 ativos de infraestrutura para a iniciativa privada, o presidente Michel Temer desembarcou em Pequim, na China, para reforçar o interesse brasileiro de atrair seu principal parceiro comercial para esses projetos. Embora o comércio esteja aquecido, com um superávit na balança comercial do Brasil de US$ 11,8 bilhões, em 2016, os chineses são apenas o quinto maior investidor direto, atrás de países como os Estados Unidos, Alemanha, Espanha e Holanda. “Minha impressão é a de que os chineses vão olhar todas as propostas de privatização com muito interesse”, diz Marcos Troyjo, diretor do BRICLab da Universidade Columbia (leia entrevista ao final da reportagem). “Mas vão deixar tudo pronto até a definição do novo presidente, em 2018.”

O apetite chinês pelo Brasil tem se mostrado importante nos últimos anos. De 2010 a 2016, os aportes anunciados por companhias chinesas somam US$ 80 bilhões, segundo o Conselho Empresarial Brasil-China. Destes, US$ 45,4 bilhões foram confirmados. Agora, com o novo pacote de privatizações de Temer e uma política externa chinesa voltada ao investimento direto, firmada com bancos de desenvolvimento e de infraestrutura, a expectativa é a de que os chineses coloquem o Brasil no topo da lista.

Divulgada pelo IBGE na sexta-feira 1º, a alta de 0,2% do PIB no segundo trimestre, em relação ao primeiro, animou a caçada de Temer por investimentos chineses, pois reforça os índices de retomada do crescimento no País. “O Brasil está melhorando”, afirmou o presidente ao comentar a boa notícia. Na viagem, ele reuniu-se Shu Yinbiao, presidente da State Grid; Sun Yafang, presidente do conselho da Huawei; Chen Feng, presidente do grupo empresarial HNA; e Lu Shun, presidente da China Three Gorges Corporation. “São grandes empresas que já investem no Brasil e querem investir ainda mais, revelando uma confiança extraordinária no Brasil, no setor de energia e de mineração”, diz Temer.

A visita oficial teria duração de três dias, com término na 9ª cúpula dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Na sexta-feira, o presidente reuniu-se com Xi Jinping, num encontro que resultou na assinatura de 14 acordos comerciais e diplomáticos, como a extensão do visto de turismo e negócios de três para cinco anos. “A política externa passa a ser um importante instrumento para a política interna”, diz Anna Jaguaribe, diretora do Instituto de Estudos Brasil-China (IBRACH) e conselheira do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI).


“Os chineses vão deixar tudo pronto para investir, mas esperarão as eleições para saber quem será o novo presidente do Brasil”

Em entrevista por telefone à DINHEIRO, direto de Hong Kong, o diplomata brasileiro e diretor do BRICLab da Universidade de Columbia, Marcos Troyjo, falou sobre a importância da reação da política externa brasileira e de uma maior aproximação bilateral entre o Brasil e a China. Sobre a 9ª cúpula dos BRICS, ele afirmou “caminhamos para um chamado BRICS plus.” Leia, a seguir, trechos da entrevista:

O presidente Michel Temer foi a China para atrair investimento e vender o pacote de privatização. O que podemos esperar dessa visita?
Há a famosa diferenciação entre comprar operações já existentes, de fusões e aquisições, transferência de ativos, e o que seria o investir do zero, o investimento novo. O que o presidente Michel Temer levou na bagagem para a China são oportunidades de privatização. Algumas oportunidades de concessão e outros projetos de infraestrutura que ainda não têm nenhum investimento feito. Do ponto de vista privado, não necessariamente orientados pelo governo chinês, existem uma série de fusões e aquisições acontecendo no Brasil que foram adquiridos pelos chineses. Na minha opinião isso só vai continuar, porque os chineses que olharam o Brasil com interesse. Agora, eles querem aumentar a participação. O Brasil ainda é o segundo maior mercado emergente. Minha impressão é que vão olhar tudo com muito interesse, colocarão os investimentos na alça da mira. Os chineses vão deixar tudo pronto para investir, mas esperarão as eleições para saber quem será o novo presidente do Brasil.

Por que eles vão esperar ver quem será o novo presidente? Existe algum risco se algum candidato da esquerda ganhar, por exemplo?
Depende muito da esquerda. Eles não tinham medo do Lula paz e amor. Eles não tinham medo do segundo Lula. Porém, do Lula que vem por aí eles podem ter medo. Por enquanto, você ouve do presidente Temer maravilhas sobre o programa de concessão e privatização. Os embaixadores em Brasília estão informando que isso será um grande item de campanha. Que políticos de esquerda vão usar a privatização como campanha. A única coisa que pode fazer com que os investimentos sejam colocados em prática agora é de algum setor que não tenha muita interferência do Estado. Dessa forma, os investidores deixarão tudo pronto e esperarão para ver o que acontecerá. Eles levam muito a sério a questão do longo prazo, então vão semear o campo. Enquanto isso, o Temer está mostrando para os chineses o que vai ser vendido, os investimentos que podem ser realizados do zero.

Esse é o momento para a China aumentar o investimento direto aqui no País?
O teto que a china pode alcançar como investimento direto no Brasil tem um caminho enorme a percorrer. A China mudou o posicionamento e agora conta com bancos de desenvolvimento, que supera instituições como o Banco Mundial e o BID, por exemplo. Isso pode render muitos frutos positivos ao Brasil.

O que podemos esperar da 9ª cúpula dos BRICS?
Antes, tínhamos um conselho de BRICS como motores da economia global, o chamado BRICS 1.0. Nesse conceito, a China e a Índia continuam correspondendo as expectativas. Por outro lado, a Rússia e Brasil estão decepcionando. Depois, surgiu o conceito de BRICS 2.0, que é mais focado na construção de instrumentos de governança. Governança essa que fortalece a aliança entre os países da cúpula. Abriu espaço para eles terem cooperação caso haja crise financeira. Houve a criação do banco; eles estão formalizando uma agência de classificação de risco. Promovem reuniões de cooperação, de combate ao terrorismo, enfim. Agora, há o chamado BRICS Plus, que eventualmente pode aumentar o número de membros. Para essa cúpula, por exemplo, foram convidados representantes do governo do México, Tailândia, Egito, Sri Lanka. Tudo isso para incluir no banco que os membros criaram.

Integrar outros países nos BRICS é positivo?
Tenho a impressão que se encher demais o grupo diminuiria a efetividade dos BRICS. Eles virariam o novo G57, acabaria sendo algo mais abstrato para discutir as Relações Internacionais. Acho que a melhor composição para os BRICS hoje é o chamado 2.0.