O Brasil ainda tem poucas companhias de tecnologia listadas na Bolsa de Valores. No entanto, esse cenário está mudando devido à aceleração do comércio eletrônico, com um certo impulso gerado pela pandemia do coronavírus. Apenas na semana passada, duas empresas fizeram suas ofertas públicas de ações (IPOs, na sigla em inglês). Uma delas foi a Enjoei, plataforma de brechós que levantou R$ 1,3 bilhão. Outra startup a abrir o capital foi a Méliuz. A empresa de marketplace e serviços financeiros obteve R$ 661,7 milhões. Os especialistas de mercado veem com bons olhos esse movimento na bolsa brasileira. Mas alertam que o investidor precisa saber ponderar, porque as oportunidades que elas prometem vêm acompanhadas de riscos elevados.

Essas novas companhias têm grande potencial de crescimento e planos arrojados de expansão. E, mesmo sendo do segmento de tecnologia, não concorrem com empresas já estabelecidas no mercado e no pregão, como Magalu, B2W e Via Varejo, ícones do comércio eletrônico nacional. Nem com Totvs, Sinqia ou Linx, empresas de aplicação especializada. As novatas têm uma oferta comercial específica e diferente entre elas. Esse é o lado positivo.

No entanto, essas estreantes oferecem riscos maiores do que as empresas tecnológicas tradicionais. São menores e suas ações são menos negociados e mais voláteis. “Esses fatores tornam essas ações mais arriscadas e indicadas para investidores arrojados”, disse o analista da Necton Investimentos, Glauco Legat. Ele aponta outro problema. Essas ações atraem menos interessados. “Isso reduz a informação disponível, o que dificulta a tomada de decisões por parte dos investidores”, afirmou Legat.

SEDE DA MÉLIUZ Dinheiro levantado com IPO vai para aquisições e desenvolvimento de tecnologia. (Crédito:Franco Serrano)

CRESCIMENTO Outro ponto a ser considerado é o preço das ações dessas empresas definido no IPO. Os especialistas, em geral, têm considerado os valores muito altos, porque a perspectiva de crescimento já estaria embutida neles. Dessa forma, comprar ações esperando ganhar com a valorização no curto prazo pode não ser um bom negócio. O melhor é pensar no longo prazo, no aumento da participação de mercado e do lucro que elas prometem em seus planos de negócios.

CEO da gestora de private equity Stratus, Álvaro Gonçalves recomenda que o interessado nessas ações estude a trajetória da empresa, avalie seu ritmo de crescimento e sua resiliência nos momentos de adversidade. Outra dica é ver se a companhia recebeu investimentos de um grande fundo. É que esses fundos não só selecionam como também ajudam e preparam a empresa para o mercado de capitais. “Ter investimento de um fundo como a Monashees, por exemplo, é um ótimo atestado de qualidade”, disse Gonçalves. A Monashees é uma gestora de venture capital brasileira com atuação global, que investiu tanto na Enjoei quanto na Méliuz. Ele também sugeren não se preocupar com movimentos especulativos. Isso porque a oscilação que a Bolsa apresentou nos primeiros dez meses deste ano está relacionada à pandemia, e não à saúde das corporações. “É difícil analisar o preço de uma ação, quando o contexto é turbulento”.

Além de Enjoei e Méliuz, o mercado aguarda os IPOs de outras três startups. Uma é a Mosaico, plataforma de conteúdo e originação de vendas. A outra é a Bemobi, especializada na distribuição de software. E a terceira é a plataforma W2W (Wine), especializada na venda de vinhos. A W2W faria seu IPO na semana passada, mas resolveu adiar o lançamento por causa da instabilidade do mercado. Em geral, essas companhias pretendem usar os recursos para investimento em tecnologia, pessoal e aquisições. São empresas com bom potencial de crescimento pela frente, analisa outro especialista, Adriano Cantreva, sócio da Portofino Multi Family Office. “A questão é que tudo depende da execução. Se entregarem o que os investidores esperam, os preços de suas ações vão subir muito”, disse Cantreva.