Argentina, loira, carismática e popular. A descrição não é de Evita Perón, a legendária primeira-dama, que, ao lado do marido Juan Domingo Perón, notabilizou-se por políticas assistencialistas que lhe garantiram uma aura mítica e o apelido de mãe dos pobres nas décadas de 40 e 50. A mulher que domina o cenário político atual da Argentina é uma advogada de 46 anos, divorciada, mãe de três filhos adolescentes… e alguns quilos a mais do que a Evita original. Num país de economia em frangalhos e moral da população em baixa, especialmente após a eliminação na Copa do Mundo, o único fenômeno em ascensão é a deputada Elisa Carrió, uma das fundadoras do partido Argentinos por uma República de Iguais (ARI). As pesquisas mais recentes a colocam como candidata preferida do eleitorado, com 17% de intenção de votos, para uma eleição ainda sem data marcada, apesar dos apelos de muitos que querem ver Eduardo Duhalde longe do poder. ?Só não convocam eleições porque ainda procuram um candidato que tenha chances de me vencer nas urnas?, diz Elisa.

Como Evita, Elisa Carrió traz a língua sempre afiada e cultiva a imagem de aguerrida defensora dos pobres, dos oprimidos e das minorias. Eleita deputada pela província do Chaco, com 60% dos votos, Elisa viu sua popularidade deslanchar ao denunciar um esquema de lavagem de dinheiro e venda de armas, que resultou na prisão do ex-ministro Domingo Cavallo ? tido por muitos argentinos como o maior responsável pela crise. De lá para cá, Elisa vem investindo em viagens pelo interior do país onde seu nome ainda carece de peso. A semelhança com Evita é justificada pelo temperamento e pela disposição de enfrentar a pobreza a qualquer custo, mesmo com medidas assistencialistas, como a distribuição de cestas básicas. ?Programas para cobrir carências alimentares devem ter prioridade sobre qualquer outra função do Estado?, defende.

O avanço do populismo na Argentina é um reflexo direto da estagnação econômica, após anos de receituário liberal no país. Na média, os analistas projetam uma queda de 15% do PIB em 2002 e uma taxa de desemprego de 29%. ?Em meio a uma crise extrema, a utopia representada por Elisa Carrió é uma força poderosa que canaliza a frustração e a falta de horizonte da sociedade e, em especial, da classe média?, diz o cientista político portenho Rosendo Fraga. A grande dúvida é saber onde Elisa encontraria recursos para viabilizar todos os seus programas sociais. Na era Perón, Evita lançava mão de programas assistencialistas numa Argentina superavitária, diferente do país de hoje, à beira da bancarrota.

Moralização. Fisicamente, à parte os cabelos loiros, Elisa Carrió aproxima-se mais de uma das matronas da Plaza de Mayo. É católica praticante e seu dia começa invariavelmente com uma missa. Sua retórica é centrada na moralização e na restauração da credibilidade das instituições argentinas, na substituição dos ?políticos gananciosos? responsáveis pela bancarrota do país por cidadãos de bem, comprometidos com a missão de reerguer o país. A nova estrela da política argentina focaliza seu discurso, ainda que de maneira genérica, nos problemas do desemprego e da corrupção. Sua receita para recolocar as finanças da Argentina nos trilhos é o fortalecimento da presença estatal na regulação da economia. ?O primeiro passo é a reforma tributária; o segundo é a regulação dos mercados?, defende a deputada. Nascida e criada em uma família de classe média, Elisa Carrió começou a carreira política no início da década de 90 refazendo o caminho de outros parentes. Formada em Direito, foi promotora de Justiça durante a ditadura militar e depois, ao abrir seu próprio escritório de advocacia, chegou a faturar meio milhão de dólares por ano. No atual quadro político, Elisa Carrió tem poucos concorrentes. Um deles é o ex-piloto de Fórmula 1 e governador da província de Santa Fé, Carlos Reutemann. Outro pré-candidato é o ex-presidente Carlos Menem, que vê sua rejeição diminuir diante do caos político e econômico do país. Mas assim como eles, Elisa também sofre uma alta rejeição. ?Ninguém conhece esta senhora como política. Se eu tivesse certeza de que ela seria eleita presidente da Argentina eu sairia do país imediatamente?, dispara o economista Juan Carlos de Pablo.