Os papéis espalhados pela extensa mesa na sala da presidência da Cyrela, em São Paulo, evidenciam a mente inquieta do empresário Elie Horn. Assim que entro, o sócio-fundador da segunda maior incorporadora imobiliária do Brasil exibe com orgulho um suplemento especial publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, em 22 de maio de 2017. O caderno que ele segura em mãos trepidantes, castigadas pelo Mal de Parkinson, alerta sobre o avanço da violência sexual contra crianças e adolescentes no País. O motivo do orgulho de “Senhor Elie”, como é carinhosamente chamado pelos mais próximos, é o esforço que ele tem capitaneado para mudar essa realidade. Em 2016, Horn criou o Instituto Liberta, que rastreia e combate a exploração infantil.

Um anúncio da ONG encartado no jornal aponta que 320 crianças e adolescentes são exploradas sexualmente no Brasil por dia. Aos 74 anos, Elie Horn não é conhecido apenas pelo sucesso de suas empreitadas empresariais, mas também por seu empenho em melhorar o País. Ele também promete doar 60% do seu patrimônio para caridade em vida. “O meu objetivo é fazer o bem em primeiro lugar”, afirma Horn. “Quero evitar que as meninas menores sejam abusadas e violadas pelo País. O nosso objetivo é libertá-las da escravidão”.

Horn também se encanta com exemplos de pessoas que, assim como ele, colocam o bem-estar do próximo acima do próprio. No fim de 2016, o Instituto Cyrela solicitou, por meio de um e-mail despretensioso, que funcionários da construtora fizessem relatos de doações e instituições de caridade que apoiavam. A arquiteta Marcella Daud Morais, 24 anos, foi uma das pessoas que responderam a mensagem. Poucos meses antes, ela havia doado sua medula óssea. A iniciativa salvou a vida de Beatriz, uma criança atualmente com nove anos. “Na festa de fim de ano da empresa, em 2016, Aron Zylberman, do Instituto Cyrela, levou essa história para todos os presentes. Senhor Elie ficou muito contente e emocionado”, relembra a arquiteta.

Depois disso, Horn se encontrou com Marcella em diversas ocasiões, chegando até a oferecer dinheiro para custear o casamento da jovem — proposta que não foi aceita. “Eu a parabenizei pelo ato de heroísmo”, diz Horn. “Ela nem sabia para quem estava doando. O que ela fez não tem dinheiro no mundo que pague.” Em 26 de fevereiro, ele levou a arquiteta para difundir a filantropia ao seu lado para mais de 3 mil pessoas presentes no 20º CEO Conference, evento organizado pelo banco BTG Pactual.

Garota exemplar: a arquiteta Marcella Daud Morais doou a medula óssea e salvou uma criança da morte. Hoje, o empresário Elie Horn faz questão de ressaltar a atitude da funcionária em eventos e palestras (Crédito:Claudio Gatti)

Nascido em Aleppo, na Síria, o judeu ortodoxo Elie Horn chegou ao Brasil ainda adolescente, em 1955. Hoje, é um dos homens mais ricos do País. Em janeiro de 2018, a revista americana Forbes estimou a sua fortuna em US$ 1,02 bilhão, o equivalente a R$ 3,4 bilhões, em valores da época. Ele também ficou conhecido por ser o único empreendedor brasileiro a se filiar à organização The Giving Pledge, um seleto clube de bilionários filantropos criado por Bill Gates, fundador da Microsoft, e pelo investidor Warren Buffett, dono da Berkshire Hathaway e terceiro homem mais rico do mundo. Um dos anseios de Horn é incentivar outros empresários do Brasil a fazerem o mesmo. “O brasileiro doa muito pouco em comparação com os estrangeiros. Falta conscientização. Aqui posso parecer grande, mas lá sou nada, sou um anão”, afirma.

Ele atua para convencer amigos a dobrar de 0,23% para 0,4% a percentagem do PIB brasileiro destinado à doações. “Eu tento e as pessoas dizem não. Mas eu não fico com vergonha e peço de novo”, afirma, esbanjando otimismo. Aliás, um sonho do empresário seria criar o The Giving Pledge Brasil. Questionado se o projeto tem data para sair do papel, ele brinca: “Está em banho-maria.”

Horn trabalha cerca de 14 horas ao dia e quase sempre dá expediente no escritório-sede da Cyrela, comandada pelos filhos Efraim e Raphael desde 2014. “Até o último instante da minha vida eu irei produzir”, diz ele. “Para mim, parar é a morte.” Hoje com 74 anos, o empresário convive com Mal de Parkinson desde os 66. Por conta de orientação médica, dedica uma hora e meia por dia à ginástica e musculação. “Me enche um pouco, mas faço porque sou obrigado”, desabafa.

Ao lado de Rubens Menin, principal nome por trás do sucesso da construtora MRV; e do apresentador Luciano Huck, Horn criou o Movimento Bem Maior, que nasceu com o intuito de fomentar a filantropia pelo País. Na quinta-feira 2, o grupo anunciou que irá selecionar 50 entidades que poderão receber aportes que somados chegarão a R$ 5 milhões. Apesar de concorrente nos negócios, Menin é um amigo de longa data. “Conheço o Elie há muito tempo. Ele sempre pensa fora da caixa e tem uma cabeça privilegiada. É o meu guru na parte de filantropia”, afirma Menin.

As apostas de Elie não param aí. Em parceria com o atual ministro da Economia, Paulo Guedes, ele fundou a holding Hospital Care, em 2017, por meio do fundo de investimentos Abaporu. A entidade administra seis hospitais, diversos centros médicos e clínicas em São Paulo e Santa Catarina. Entusiasta do atual governo, Horn recebeu o presidente Jair Bolsonaro (PSL) em sua casa, no Morumbi, São Paulo, em 27 de março. Também estiveram no encontro empresários como Flávio Rocha, da Riachuelo; Sebastião Bomfim Filho, da Centauro; e Meyer Nigri, da Tecnisa.

BOOM IMOBILIÁRIO Nos negócios, Horn acredita que a Cyrela deve aproveitar para surfar a “onda alta” do mercado imobiliário. Mas tem receio de ampliar seu foco de atuação para outros estados. Em 2018, 67,8% dos imóveis lançados pela construtora foram no estado de São Paulo e 21,9% no Rio de Janeiro. Em 2005, a Cyrela se tornou a primeira incorporadora a realizar uma oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês), mas hoje Horn faz um mea-culpa. “Sobrou dinheiro e nós achávamos que dominávamos o mundo”, diz ele. “Voltamos a enxugar a empresa nos últimos anos. Diminuímos o número de cidades em que atuamos e o total de colaboradores em mais de 70%”, complementa.

A empresa se divide em várias bandeiras para atuar em segmentos diferentes do mercado: Vivaz, no “Minha Casa Minha Vida”; Living, para a classe média; e Cyrela, no alto padrão. A companhia, porém, vem reiteradamente decepcionando os acionistas com seus balanços. Com 2,5 mil funcionários diretos, a construtora atingiu uma receita de R$ 3,1 bilhões em 2018, com vendas totais contratadas de R$ 5,05 bilhões, mas teve um prejuízo líquido de R$ 84 milhões. “O prejuízo do ano veio mais negativo do que era esperado por conta de provisões inesperadas para contingências de alguns prédios. Isso acaba impactando as margens da companhia e aumentando as despesas operacionais”, diz uma analista que faz a cobertura da empresa.

Segundo Paulo Rodrigues, diretor de relações corporativas com investidores, o momento é de reduzir o número de ativos para gerar mais caixa e dividendos. De junho de 2015 a dezembro de 2018, o patrimônio líquido da Cyrela foi encurtado em 16,53%, segundo a consultoria Economatica. “Nós crescemos muito no passado e ficamos com o balanço inchado. É óbvio que queremos ter lançamentos bons e velocidade de vendas, mas também uma geração de caixa alta para poder diminuir o tamanho do equity e distribuir dividendos”, diz Rodrigues.

A promulgação da Lei do Distrato (13.768/18), que agora é mais rígida para casos de desistência na compra do imóvel, deve beneficiar não só a Cyrela como todo o setor. “Deve ajudar principalmente o segmento de médio e alto padrão, que sofre com distratos”, diz Ronaldo Cury, vice-presidente de habitação do Sinduscon-SP. Sobre a gestão dos filhos Efraim e Raphael, Elie Horn é só elogios. Diz que Efraim é a cabeça criativa da corporação e Raphael é a mente por trás da gestão. “Os dois se completam”, afirma. Entre negócios e filantropia, o criador da Cyrela tem a ambição de construir, tijolo a tijolo, um futuro melhor.


“Para ganhar dinheiro é preciso trabalhar muito e não ter autopiedade”

Um dos empresários mais influentes e admirados do mercado imobiliário no País, Elie Horn falou com exclusividade à DINHEIRO sobre os desafios da Cyrela e reiterou sua confiança no time do presidente Jair Bolsonaro

O sr. acompanha de perto os negócios da Cyrela hoje em dia?
Só olho depois, não antes. Quando vamos comprar um terreno, precisa ver o terreno. Eu não vejo as tentativas de compra, só quando já está comprado. Hoje, meus filhos tomam conta. Ele são os reis do negócio. Rei morto, rei posto. Faz parte do processo, do ciclo da vida.

Como o sr. define a gestão de seus filhos, Efraim e Raphael?
Um é muito bom no setor de incorporação, o outro é muito bom no setor financeiro e gestão de pessoas. O Raphael é racional. O Efraim é um poeta. Os dois se completam. Eu era meio racional e meio poeta. Agora nós temos um de cada.

O sr. foi presidente da Cyrela de 1978 a 2014. Como avalia a sua trajetória à frente da companhia?
Comecei com 19 anos. Trabalhei ativamente até os 66, quando tive Mal de Parkinson. Trabalhava 14 horas por dia, seis dias por semana. Quanto mais você trabalha mais você ganha. Ganha de uma forma quântica. Eu já falei para os funcionários da empresa que para ganhar dinheiro é preciso trabalhar muito e não ter autopiedade. Em 2005, as ações subiram 30 vezes. Foi um boom gigante. Foi algo que mudou a dimensão da empresa.

Como foi a expansão após a abertura de capital?
Expandimos para o Brasil inteiro de 2005 a 2007. Isso foi logo após a abertura de capital. Sobrou dinheiro e nós achávamos que dominávamos o mundo. Acusamos o golpe e ficamos de boca fechada, com o nariz baixo. Isso foi importante para entendermos que não somos especiais. Isso nos ensinou a sermos mais humildes.

Agora, a empresa passa por uma fase de reestruturação, certo?
Houve um enxugamento. Com a crise no Brasil, tivemos que reestruturar a Cyrela. Ainda bem. O ramo imobiliário não é um ramo como joias. Você não pode fabricar em escala. É uma fábrica sob medida e por cidade, não por estado. Em São Paulo você tem a matriz de engenharia que toma conta. Se você abre no Nordeste, já é outra matriz, outra cultura. Até você impor essa cultura leva muito tempo.

O sr. disse recentemente que acredita em um novo boom imobiliário no País.
Estou confiante que vai ter. Aliás, já está acontecendo um novo boom. Eu acho que precisamos avançar para aproveitar essa onda, porque daqui a pouco acaba. Estamos na onda alta. Vamos surfar quando tivermos ondas boas. E vamos nos recolher quando tivermos ondas muito fortes.

Qual é o desafio para a Cyrela e para o mercado?
O nariz. Tem que ter olfato para sentir quando o mercado está bom e quando está ruim. Tem que saber se recolher ou agredir; crescer ou enxugar, quando for preciso. Se você não domina o mercado, o mercado domina você. Você precisa saber aprender e a se adaptar.

O sr. acredita que a agenda liberal deve salvar o Brasil após um longo período de recessão?
Deve salvar o Brasil se tivermos a coragem de fazer a reforma da Previdência. Caso contrário, será um circulo vicioso, um buraco sem fim. Mas eu estou muito otimista que as coisas vão funcionar e tenho dito isso há tempos. O Brasil está nas melhores mãos, tem o melhor presidente, com intenções boas. Isso é muito importante.

O ministro Paulo Guedes, inclusive, foi seu sócio para a criação da rede Hospital Care, certo?
Era meu sócio. Teve que sair. É triste, mas não tem jeito. Ele saiu porque foi para o governo. Se ele ficasse como sócio, teria problemas. Eu acho que o Guedes tem muita coragem e muito peito, no bom sentido. Não achava que ele fosse ser tão agressivo para tocar as reformas que são necessárias. Sou muito entusiasta do trabalho dele.