O diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Romeu Rufino, escreveu para o deputado federal Julio Lopes (PP-RJ), relator do projeto de lei que trata da venda das distribuidoras de energia elétrica nos Estados do Acre, Alagoas, Amazonas, Piauí, Rondônia e Roraima, para defender a privatização das empresas. Um dos argumentos levantados por Rufino é o da inviabilidade das companhias “em razão dos prejuízos causados tanto pela ineficiência operacional como pelos roubos e furtos de eletricidade”. Esse alerta, porém, não é recente. Há mais de uma década, a Aneel defende a entrada do setor privado nessas distribuidoras. Elas passaram a ser responsabilidade da Eletrobras por determinação do governo federal.

Todas pertenciam aos Estados, mas prestavam um serviço precário e acumularam dívidas insustentáveis.
A Eletrobras teve de engolir esses pesos-mortos, muito em razão da influência que a União desejava manter em cada uma dessas regiões. O problema é que a pesada conta chegou. O prejuízo desses negócios para a Eletrobras está calculado em R$ 23 bilhões. “Nunca fez sentido a federalização das distribuidoras, principalmente pelo endividamento”, diz um ex-diretor da Aneel, que pediu para não ser identificado. “Foi um erro estratégico grave para o setor e para a Eletrobras, que foi a salvadora sem ter poder algum de decisão.” Isso vai finalmente mudar com a realização do leilão dessas empresas, que está marcado para acontecer em 26 de julho.

Em choque: em junho, funcionários da Eletrobras fizeram uma paralisação para protestar contra a privatização da empresa, das distribuidoras e pela saída do presidente Ferreira Jr. (Crédito:Paulo Carneiro/Agência O Dia)

Para se ter uma ideia da precariedade dessas companhias, a agência reguladora impõe condições mínimas de qualidade na prestação de serviço. Para isso, utiliza dois indicadores que medem o número de horas ao longo do ano em que o consumidor fica sem luz e o total de interrupção no fornecimento de energia elétrica. No ano passado, a Eletroacre, que atende o Acre, teve a eletricidade interrompida 35 vezes, num total de 48 horas no escuro. Todas as demais cinco distribuidoras que estão sendo vendidas têm índices semelhantes, muito acima da média brasileira que é de oito interrupções e 12,8 horas sem energia elétrica. Além desses problemas ligados à prestação de serviço, elas têm uma porcentagem alta de furto de energia.

Enquanto que no País a perda média é de 9,5%, na Amazonas Energia é de 43% e na Ceal, de Alagoas, de 25%. Essas fraquezas poderiam ser justificadas pelo baixo valor da tarifa paga pelo consumidor. Mas não é o que acontece. Entre as 60 concessionárias, a do Amazonas tem a 5a conta de luz mais cara do Brasil e a Cepisa, do Piauí, a 14a maior tarifa. A Eletropaulo, responsável pelo abastecimento de São Paulo, está na ponta contrária, com o 8o valor mais barato. “Essas companhias têm oportunidades de criação de valor. Reduzindo perdas, que nessas distribuidoras são bastante elevadas, cria-se valor bem rápido”, diz Wilson Ferreira Jr., presidente da Eletrobras. “Vamos sair de um negócio em que não somos bons.” (leia a entrevista aqui).

Apesar desse acúmulo de dificuldades, DINHEIRO apurou que existem grupos interessados em arrematar essas empresas. A Energisa, por exemplo, que está presente em nove Estados, aparece como a favorita para juntar suas operações no Centro-Oeste com as distribuidoras de Acre e de Rondônia. A italiana Enel, que recentemente comprou a Eletropaulo, é dona da Coelce, a distribuidora do Ceará. Para ela, faria sentido unir essa distribuição com a do Piauí. Já a espanhola Neoenergia, que está presente na Bahia, em Pernambuco e no Rio Grande do Norte, conseguiria fazer sinergias com a Ceal, de Alagoas.

A Equatorial Energia, que é considerada um modelo do setor elétrico pelo trabalho de recuperação realizado na Cemar, do Maranhão, e na Celpa, do Pará, é a favorita para ficar com a distribuidora do Amazonas, a mais problemática entre todas. “Acredito que haverá competição pelos ativos, mas era importante a aprovação do projeto de lei para equacionar legalmente as pendências”, diz Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil. “Enquanto as distribuidoras privadas têm um desempenho, no mínimo, adequado, essas seis estatais prestam um péssimo serviço. A culpa é do uso político que sempre ocorreu em empresas do setor elétrico. Sob todos os ângulos, essas privatizações são tardias.”

Na semana passada, a possibilidade de venda dessas empresas aumentou. A insegurança que rondava a operação foi desfeita na noite de terça-feira 10, quando a Câmara dos Deputados aprovou o projeto que permite o leilão das seis distribuidoras, no próximo dia 26. O texto vai tornar os negócios mais atrativos aos investidores por eliminar impasses jurídicos. Riscos de descasamento de contratos com as usinas hidrelétricas ou termelétricas, por exemplo, foram resolvidos. Assim como os recursos para cobrir as despesas das usinas a gás que recebem combustível da Petrobras. Apesar de o Senado não ter conseguido votar o projeto antes do recesso, o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, afirmou que a aprovação da Câmara foi um bom sinal para os potenciais compradores e que o governo vai manter a data da venda.

Após se desfazer de suas empresas de distribuição, que deram um prejuízo de R$ 1,9 bilhão no balanço do primeiro trimestre, a Eletrobras vai concentrar esforços na geração e na transmissão de energia, seus negócios mais lucrativos – R$ 1,4 bilhão de ganho nos primeiros três meses do ano. O próximo esforço será a venda de suas participações minoritárias em parceria com empresas privadas. Dos 170 negócios que a estatal tem nesse modelo, 70 serão leiloadas entre o fim de agosto e o início de setembro. Esses ativos estão em funcionamento e com o financiamento aprovado, o que deve atrair diferentes tipos de compradores. Além dos acionistas majoritários em cada um dos empreendimentos, fundos de investimento, como a Vinci Partners e a XP Investimentos, podem entrar na disputa por negócios específicos. A avaliação é que esses negócios podem gerar R$ 2,6 bilhões para o caixa da Eletrobras, que aguarda a análise do Tribunal de Contas da União para confirmar a data da venda.

Iluminados: os nove governadores dos estados do nordeste estiveram reunidos em maio para falar sobre a privatização das distribuidoras, que vão afetar a região (Crédito:Filipe Jordão / JC Imagem)

Ao se desfazer desses ativos, a Eletrobras conseguirá reequilibrar suas contas. Desde que Ferreira Jr. assumiu a presidência da companhia, há dois anos, a dívida líquida, que ainda é alta, caiu 13% (confira o quadro “Fôlego no caixa”). Mais importante, porém, foi a redução da alavancagem da empresa, que estava próxima de nove vezes a sua geração de caixa. No fim do primeiro trimestre deste ano, ela tinha baixado para 3,7 vezes. A concretização de todos esses negócios vai fazer com que esse indicador fique próximo de três vezes ainda em 2018. “Isso é fruto do aumento de eficiência. A geração de caixa aumentou 120%”, afirma o executivo. “No fim deste ano a relação de endividamento da companhia vai estar em um limite mais saudável. A perspectiva é muito boa.”

Entre todos os esforços que estão sendo feitos em torno da Eletrobras, a venda da participação da União na companhia não acontecerá neste ano. Com 41% do capital total da Eletrobras, o governo Michel Temer pretendia concluir o processo de desestatização da empresa por meio de uma oferta pública de ações. A expectativa era conseguir mais de R$ 12 bilhões com a operação. Mas a Câmara vetou a aprovação desta venda. “O acordo quanto à não votação do projeto da Eletrobras está garantido, nós não votaremos neste ano”, disse o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Dentro da Eletrobras, a expectativa era baixa. “Não havia como fazer um processo de capitalização antes de ter resolvido os drenos da Eletrobras, como os prejuízos causados pelas distribuidoras e a alavancagem”, afirma Ferreira Jr. A decisão sobre a privatização caberá ao governo que será eleito em outubro.