Será um teste e tanto, de agora por diante, a experiência da Eletrobras com o processo de capitalização e privatização que teve início. Apesar de o preço da ação ter sido fixado em torno de R$ 42, os papéis caíram logo na estreia. Em virtude de razões alheias a sua realidade, é bem verdade, decorrente da ameaça de recessão nos EUA e não porque a empresa desmerecesse a aposta. A procura foi recorde, alcançando quase o dobro do valor esperado (que era de R$ 30 bilhões) logo na largada. A Eletrobras tem um potencial gigantesco, um mercado fenomenal e práticas que estimulam a iniciativa privada a entrar na empreitada. Muitos avaliam que ela foi vendida por valor subavaliado, apenas para que o presidente Bolsonaro tivesse uma bandeira eleitoreira a exibir na campanha. De todo modo, o problema maior é o que o governo vai fazer com os recursos angariados nessa tacada. A simples ideia de alocar tudo na conta de uma ação populista de barateamento dos combustíveis — com a bolada servindo para compensar estados da Federação pela renúncia de impostos — parece uma insanidade. A venda da maior empresa de energia da América Latina merecia propósito maior. Deveria se constituir em um marco do liberalismo econômico. Mas do jeito que foi feita, dá mostras de ocorrer para reforçar a imagem de um Estado paternalista. A associação de sócios minoritários da companhia tenta na Justiça questionar a operação, com uma ação civil. Muito mais em virtude dos motivos pelos quais o negócio se deu nesse momento do que em razão das vantagens ou prejuízos eventuais em si. Reclamam que os estudos técnicos independentes para a avaliação de Itaipu e da Eletronuclear, por exemplo, não haviam ainda sido concluídos. Tudo leva a crer decerto que aconteceu um certo afogadilho na decisão e pressa no anúncio, após anos com o assunto parado. E o viés político nesse aspecto fica claro. A Abradin diz que existiu uma subavaliação da hidrelétrica de Itaipu da ordem de R$ 1,2 bilhão. Para a entidade, o ativo imobilizado e intangível totalizava cerca de US$ 17,6 bilhões. Dizer de pronto que ocorreram fraudes com o objetivo de lesar acionistas minoritários ainda é prematuro, mas a fórmula que mistura campanha presidencial com repasses de estatais, ao mesmo tempo, prejudica a credibilidade e deixa em alerta o mercado de capitais. Em exatos seis anos de ajustes e melhorias, a Eletrobras viu seu valor na praça aumentar em cerca de R$ 50 bilhões, devido a perspectiva de que, em breve, ela seria privatizada. Só neste ano, os papéis subiram mais de 30%. Quando terminou a ronda por investidores interessados na oferta pública, que reduziu a menos de 50% a participação do Estado, a empreitada pela compra de papéis havia atraído mais de 370 mil pessoas e se convertido na terceira maior operação do mundo em 2022. O potencial de movimentações nos próximos meses é enorme. A questão sempre será a do uso que os governantes fazem desses ativos — muitas vezes, em benefício próprio e não do País que comandam. Para Eletrobras, definitivamente, uma nova era está tendo início.

Carlos José Marques,
diretor editorial