Nas eleições presidenciais dos Estados Unidos de 2008, o desconhecido candidato democrata Barack Obama adotou uma estratégia arriscada para enfrentar o republicano John McCain. Desde que a Reforma Política americana foi implementada em 1970, ele seria o primeiro concorrente a recusar o financiamento público e direcionar seus esforços para convencer o eleitor comum a doar para o seu fundo de campanha. A história mostra que Obama foi bem-sucedido. Não apenas por sua eleição, mas pelos valores arrecadados. Ao todo, sua campanha totalizou US$ 750 milhões. Cerca de US$ 300 milhões vieram de quase 600 mil doadores individuais, com um tíquete médio de US$ 490. O sucesso do americano pode servir de exemplo para as eleições brasileiras de 2018.

Em outubro do ano passado, o Congresso Nacional aprovou as novas regras para o processo eleitoral, com a criação de fundo público de R$ 1,71 bilhão (nas eleições de 2014 foram gastos R$ 5,1 bilhões). Mas, a principal mudança é a proibição das doações de empresas, consideradas o principal meio para o crescimento da corrupção no País, nos últimos anos. Com isso, os partidos poderão convencer o eleitor a financiar o seu candidato. “As pessoas consideram que já financiam a política, pois existe o fundo eleitoral”, diz Cristiano Noronha, vice-presidente da consultoria Arko Advice. “Com a descrença generalizada na política, tem de haver uma boa estratégia de engajamento e convencimento para que o cidadão faça uma doação.”

Álvaro Dias, pré-candidato do Podemos à presidência: “A doação de pessoa física inibe o processo de corrupção e aumenta o comprometimento” (Crédito:Darcio de Jesus)

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) definiu, no início deste ano, as resoluções para o financiamento, impondo um teto para as doações. O autofinanciamento terá limites de R$ 70 milhões para os candidatos à Presidência e de R$ 2,8 milhões até R$ 21 milhões para os governadores, dependendo do tamanho do Estado. Isso acontece para evitar que candidatos ricos, como, por exemplo, o bem-sucedido empresário João Doria Jr. (PSDB-SP), tenham vantagem sobre os mais pobres. Os eleitores poderão doar até 10% do seu rendimento bruto informado no ano de 2017 – quem extrapolar o valor pagará multa de 100% sobre o que exceder.

Para controlar quem está doando para quem, o TSE autorizou a Kickante, a maior plataforma de financiamento coletivo (crowdfunding) da América Latina, a desenvolver um projeto específico para as eleições. Ele está programado para entrar no ar em maio, quando o tribunal aprovar a maneira que será feito o repasse das informações. Até o momento, há três possibilidades: uma página específica da Kickante para a campanha eleitoral; um botão dentro do site do candidato, que leva para a plataforma; ou apenas um destaque dentro da página atual. A indecisão ocorre porque o TSE quer ter a certeza de que o doador saiba para quem está doando.

“O que mais se quer ver com o crowdfunding é a transparência do sistema político”, diz Candice Pascoal, CEO da Kickante e única brasileira premiada pelo Cartier Women’s Initiative Awards 2017, que reconhece iniciativas de empreendedorismo feminino no mundo. “O Brasil está bem dividido e essa nova forma de financiamento pode provocar uma mudança na política. Antes, o candidato mantinha contato com o eleitor até o momento do voto. Agora, será preciso construir um relacionamento ao longo do tempo”, diz ela sobre a necessidade de conquistar a doação para próximas eleições (leia entrevista ao final da reportagem).

João Amoêdo, pré-candidato do Novo à presidência: “Essa é uma forma de dar transparência ao sistema político para saber quem são os doadores” (Crédito:Gabriel Reis)

Único partido a recusar o financiamento público (teria direito a R$ 980 mil do fundo criado para essas eleições), o Novo foi o primeiro a se reunir com a equipe da Kickante para conhecer a plataforma para a campanha presidencial de João Amoêdo, além da dos demais candidatos ao governo dos Estados e no Legislativo. Assim que o TSE liberar o uso, em maio, o Novo vai começar uma campanha de arrecadação com os seus mais de 19 mil filiados. A proposta é que, além da contribuição mensal de R$ 28,81, eles possam doar um valor fixo nos próximos seis meses. Pelos cálculos da sigla, se 10 mil pessoas toparem a ideia do crowdfunding nesse período eleitoral, o Novo teria R$ 1,8 milhão, quase o dobro do financiamento público.

“O problema é que o acesso a esse recurso só acontecerá em agosto, quando o TSE efetivar as candidaturas”, afirma Amoêdo. “Mas essa é uma forma de dar transparência ao sistema político, com metas e acompanhamento do que está acontecendo com cada candidato e quais são seus doadores.” O pré-candidato do Podemos à Presidência, Álvaro Dias, também pretende utilizar a plataforma de arrecadação. “A campanha deste ano vai ser mais barata e menos corrupta”, diz o senador paranaense. “Acredito que o sistema de arrecadação, com doações de pessoas físicas, é mais adequado porque inibe o processo de corrupção e aumenta o comprometimento do candidato com o eleitor.” Mais do que nunca, o cidadão tem de entender que o político depende dele.


“Ficaria receosa de ver uma quantidade absurda de doação neste ano”

Candice Pascoal, CEO da Kickante, a maior plataforma de crowdfunding da América Latina

Quando a plataforma estará no ar?
Ainda estamos trabalhando com os advogados eleitorais, porque não está definido como será feito o reporte de informações para o TSE. Temos de adaptar a plataforma para o sistema deles. Até maio, teremos a atualização.

Há diferença de captação?
A regra de como o valor é captado é a mesma, por meio de marketing digital e de financiamento da multidão. A diferença é que o TSE será comunicado sobre todas as pessoas que contribuírem. Isso dá um controle maior sobre quem está financiando quem.

Quanto deverá ser arrecadado?
Espero que seja um crescimento gradual. Ficaria receosa de ver um grande movimento e uma quantidade absurda de doação neste ano. Porque o brasileiro não está acostumado a doar para campanha política. E, neste momento, os políticos não são sendo bem vistos.

Quem mais vai se beneficiar desse novo sistema?
Estou mais entusiasmada em ver as campanhas de novos políticos com o crowdfunding. Os que já estão em cena há muito tempo têm, de uma certa maneira, as suas redes de apoio. Como o cidadão brasileiro ainda não está acostumado a contribuir com um político, devem escolher um rosto novo, como foi nos EUA com o Barack Obama.

Está otimista com essa mudança no financiamento de campanhas?
Estou entusiasmada em como vai afetar o sistema político daqui a alguns anos. Vamos ver como os brasileiros vão reagir neste primeiro ano. Mas, com bom marketing e transparência, os políticos não terão problemas em captar fundos. Recebemos de três a cinco candidatos por dia na Kickante, o que é muita coisa. Eles vêm conversar para se preparar.