A um ano das eleições, dois pré-candidatos radicais de esquerda e de direita despontam nas principais pesquisas eleitorais. De um lado o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), já condenado em 1ª instância pelo juiz Sérgio Moro, na Operação Lava Jato, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no caso do apartamento triplex, no Guarujá (SP). De outro o deputado eleito pelo Rio de Janeiro Jair Bolsonaro (PSC), tão polêmico quanto enigmático. Lula representa a volta de ideias econômicas intervencionistas que levaram o País à maior recessão de sua história, durante o governo Dilma Rousseff (PT). Já Bolsonaro, que também prega um Estado interventor, ainda não apresentou propostas econômicas concretas.

Ambos criticam a agenda econômica do governo Michel Temer (PMDB), que é aplaudida por investidores nacionais e estrangeiros. “No fundo, o que os empresários esperam é uma redução significativa do tamanho do Estado”, diz Carlos Tilkian, presidente da Brinquedos Estrela. “Espero que surja no Brasil um Emmanuel Macron [presidente francês] ou um Mauricio Macri [presidente argentino].” Os dois líderes estrangeiros chegaram ao poder com um discurso pró-mercado e contra os políticos tradicionais.

A presença do ex-metalúrgico na disputa eleitoral dependerá do Poder Judiciário. Se for condenado em 2ª instância, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, o petista ficará inelegível pela Lei da Ficha Limpa. Nesse caso, apenas uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) poderá manter a candidatura do petista. Já a participação do ex-capitão do Exército parecer ser definitiva. Bolsonaro provavelmente sairá do PSC – o partido mais cotado é o PEN, que deve mudar de nome antes da eleição. Até setembro deste ano, os investidores do mercado financeiro davam de ombros para as pesquisas que indicavam a liderança dos dois pré-candidatos radicais.

Os sucessivos recordes do índice Bovespa e a gradativa valorização cambial sinalizavam, até então, um foco prioritário na recuperação econômica. Quem segue na ponta compradora de ações faz uma aposta de que Lula será barrado pela Justiça. Pelo histórico recente dos julgamentos do TRF-4, é grande a chance de o ex-presidente ser condenado e ter elevação da sua pena de nove anos e seis meses de prisão. Nada impede, no entanto, que liminares possibilitem o registro de sua candidatura, o que geraria enorme insegurança jurídica ao processo eleitoral.

Agora, a um ano das eleições, parece que o sinal de alerta foi aceso no mercado financeiro. Os institutos Ibope e DataPoder360 divulgaram, nos últimos dias, levantamentos que apontam a consolidação de Lula e Bolsonaro no 2º turno. Os dois apresentam enorme rejeição – 42% e 33%, respectivamente, segundo a última pesquisa Datafolha –, mas a fragmentação de votos entre os candidatos de centro dificulta, neste momento, o avanço de nomes mais palatáveis ao mercado (leia quadro na pág. 25). Embora cientes de que as eleições ainda estão distantes, os investidores arregalaram os olhos, venderam ações e compraram dólares, numa típica reação que ocorre em momentos de incerteza. Experiente analista da cena política brasileira, o consultor Gaudêncio Torquato minimiza a importância das atuais pesquisas eleitorais. “A fotografia de hoje é completamente irreal”, diz Torquato. “A pré-campanha começou apenas para o Lula e o Bolsonaro, que são os nomes em evidência.”

Falta decolar: o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e a ex-senadora Marina Silva são nomes conhecidos da população, pois já disputaram outras eleições presidenciais

Se por um lado os processos judiciais tornam incerta a presença de Lula na disputa eleitoral, por outro há consenso entre os analistas de que eventual participação do petista lhe garantirá uma vaga no 2º turno. “Nesse caso, sobra apenas uma vaga para todos os demais candidatos”, diz Rafael Cortez, cientista político da Tendências Consultoria. “As forças de centro vão precisar se unir se quiserem evitar que Bolsonaro ocupe essa segunda vaga.” Com Lula barrado, o cenário muda completamente, com chances reais de vitórias para todos os candidatos que tenham rejeição inferior à do ex-capitão do Exército. “Preocupa um pouco [Lula e Bolsonaro na liderança], mas o cenário eleitoral ainda está muito indefinido”, diz Claudio Bernardes, presidente da Ingaí Incorporadora e presidente do Conselho Consultivo do Secovi-SP. “Ganhará força, com certeza, algum candidato que defenda a atual agenda econômica.”

Do ponto de vista prático, quais são as propostas econômicas que tanto assustam o setor privado? (leia quadros acima) Em suas esvaziadas caravanas pelo País, o ex-presidente Lula tem feito discursos muito mais à esquerda do que a própria política econômica adotada nos seus dois mandatos, entre 2003 e 2010. “A reforma da Previdência é um crime contra o povo mais pobre deste País”, afirmou Lula, em 27 de outubro, na sua caravana a Montes Claros (MG). Quando ainda era candidato, em 2002, Lula publicou a histórica “Carta ao Povo Brasileiro”, na qual assumia compromissos com uma agenda mais agradável ao mercado, deixando de lado a cartilha ideológica do PT. Naquele momento, o dólar disparava diante da desconfiança dos investidores em relação ao ex-metalúrgico.

Após subir a rampa do Palácio do Planalto, em 2003, Lula foi pragmático e montou uma equipe econômica ortodoxa, com nomes elogiados pelo mercado como Antonio Palocci (Fazenda), Henrique Meirelles (Banco Central) e Joaquim Levy (Tesouro Nacional). “A questão é que, agora, o pragmatismo lulista enfrentaria forte resistência na própria base petista”, diz Cortez, da Tendências Consultoria. “Com esse discurso populista, o estresse cambial em 2018 poderá ser maior do que aquele de 2002.” Com Palocci, Guido Mantega e Luciano Coutinho na mira da Polícia Federal, restam poucos nomes fortes para compor o núcleo econômico de Lula. Um deles é o de Nelson Barbosa, que assumiu o ministério da Fazenda nos estertores do governo Dilma.

Nomes do mercado: O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (à esq.), e o prefeito de São Paulo, João Doria, têm agenda que agrada os investidores (Crédito:Marivaldo Oliveira)

Quanto a Bolsonaro, é uma missão quase impossível tentar decifrar a sua agenda econômica – ele mesmo reconhece que entende muito pouco do assunto. Em várias entrevistas, o deputado disse que não precisa ser PhD em economia para se lançar candidato a presidente da República. O desconhecimento do tema, no entanto, não justifica incoerências entre o discurso e a sua atuação parlamentar. Em 2016, quando o governo Temer aprovou a Proposta de Emenda à Constituição que limita o orçamento federal, conhecida como PEC dos Gastos Públicos, Bolsonaro fez discursos contrários ao projeto. No dia da votação, mudou de ideia e encorpou a base governista.

Em assuntos espinhosos, como as privatizações, o ex-capitão do Exército perde a eloquência e fica no muro. “Isso eu vou decidir junto com o BNDES”, afirmou em uma entrevista ao jornal Valor Econômico. “Quem sou eu para dizer o que tem que fazer com a estatal X?” Sem revelar quem seria o seu ministro da Fazenda, Bolsonaro diz manter conversas constantes com um renomado economista. Na terça-feira 31, a Bloomberg Businessweek publicou uma reportagem sobre os riscos das eleições no Brasil. Sobre Lula, a publicação americana destacou as investigações de corrupção que devem dificultar a sua vitória. “O sentimento anticorrupção será um obstáculo às esperanças de Lula de obter um terceiro mandato”, diz a reportagem. Quanto a Bolsonaro, a revista americana destaca o seu “conhecimento superficial de economia” e suas propostas nacionalistas, que incluem barrar o avanço chinês sobre ativos brasileiros. “Ele é visto como um [Donald] Trump brasileiro, exceto a fortuna”, diz a reportagem. Ele também é visto como uma ameaça à própria democracia. Em 1999, Bolsonaro defendeu, em uma entrevista, a prática de tortura e o fechamento do Congresso, caso fosse eleito presidente (o vídeo pode ser visto hoje no YouTube).

Embora os maiores riscos estejam ligados aos dois pré-candidatos que lideram as pesquisas, os investidores também torcem o nariz para a candidatura da ex-senadora Marina Silva (Rede), que atualmente é considerada carta fora do baralho, especialmente no cenário em que Lula está no jogo. Os empresários, em sua imensa maioria, já deixaram claro que não faltará apoio aos candidatos que defendam a responsabilidade fiscal, as privatizações e um Estado mais enxuto e eficiente. “Tem muita coisa para corrigir”, diz a empresária Sonia Hess, fundadora da marca Dudalina. “Precisamos, por exemplo, da reforma da Previdência.” Se o governo Temer não conseguir aprovar nem mesmo a idade mínima para aposentadoria, a bomba cairá no colo do próximo presidente. “Se não for aprovada agora, a reforma da Previdência será o primeiro desafio do presidente da República que assumir em janeiro de 2019”, afirmou o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, na segunda-feira 30, em evento do Grupo de Líderes Empresariais (Lide), em São Paulo. O ministro sentou-se ao lado do prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), outro pré-candidato.

O nome de Meirelles, filiado ao PSD, tem sido lembrado nas pesquisas eleitorais, mas o desempenho ainda é muito tímido, de até 2% das intenções de votos. Segundo o levantamento do DataPoder360, o ministro da Fazenda tem 17% de potencial de voto, ou seja, pessoas que dizem poderiam votar nele. Sua rejeição, no entanto, é elevada: 64%. Ao contrário de Lula e Bolsonaro, o nome de Meirelles é bem visto pelo mercado financeiro. A seu favor está o processo de recuperação econômica, cujos frutos (emprego e renda) serão colhidos com mais intensidade em pleno ano eleitoral. Além de Doria, os tucanos também têm o governador de São Paulo na lista de pré-candidatos. Os dois, que ainda não decolaram nas pesquisas, possuem agendas econômicas que são do agrado do setor produtivo e do mercado financeiro. Doria, por sinal, propôs, na semana passada, a união em torno de um único candidato de centro para derrotar Lula e Bolsonaro nas urnas.

Outsider: embora negue sua candidatura, o empresário e apresentador de TV Luciano Huck é lembrado nas pesquisas eleitorais. O prazo para filiação partidária termina em 7 de abril (Crédito:Rafael Campos)

Embora negue qualquer pretensão eleitoral, o empresário e apresentador de TV Luciano Hulk, considerado um outsider, tem aparecido nas pesquisas. Pelo Ibope, Hulk tem 5% das intenções de votos. No levantamento do DataPoder360, o potencial de votos chega a 40% (mais do que o dobro de Meirelles), com rejeição de 43%. O nome do apresentador, que conta com o apoio do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, foi analisado no dia 26 de outubro, em uma reunião a portas fechadas na Associação Comercial de São Paulo (ACSP). A DINHEIRO teve acesso com exclusividade ao conteúdo do debate que envolveu donos de empresas, presidentes de entidades empresariais e economistas. “Quando eu vejo alguns nomes ventilados, como Luciano Huck, isso não pode ser sério”, afirmou na reunião o economista Octavio de Barros, diretor-executivo do Instituto República, think thank que discute o futuro da democracia, cidades inteligentes e outros assuntos de interesse nacional. “Por mais que o Armínio [Fraga], que é muito meu amigo, diga que ele [Luciano Hulk] seja bom, um ‘cracaço’… Pelo amor de Deus! Isso é coisa para profissional. Com todo respeito ao Luciano.” Os participantes do debate concordaram com essa análise.

A contagem regressiva para as eleições de 2018 já começou. A partir de agora, os humores do mercado financeiro e a confiança dos empresários passarão a oscilar conforme novas levas de pesquisas forem divulgadas. A data limite para a filiação partidária de quem pretende concorrer é 7 de abril de 2018. As convenções partidárias deverão ocorrer entre 20 de julho e 5 de agosto, mas nenhum partido deve demorar tanto para definir seu candidato. Caso a disputa se concentre entre Lula e Bolsonaro – hipótese que ainda não pode ser considerada a mais provável –, os empresários terão de fazer uma escolha de Sofia. “Acredito que boa parte apoiará o Bolsonaro”, afirma Pedro Thompson, CEO da Estácio. “Contudo, Bolsonaro não sinalizou nenhum nome ou ideia que transmita confiança. Ele é uma grande incógnita.”