Atual presidente da França, Emmanuel Macron disputa com Marine Le Pen, no próximo dia 24, o segundo turno das eleições presidenciais na França, em uma reedição do pleito de 2017. Com 67 milhões de habitantes e o sétimo Produto Interno Bruto (PIB) do mundo, uma mudança no contexto político francês poderia acarretar algumas mudanças no relacionamento com o Brasil.

A corrida eleitoral está disputada: Macron, do partido A República em Marcha (LREM), foi o mais votado do primeiro turno, com 27,85% dos votos. Le Pen, do Reagrupamento Nacional (RN), organização que tem o legado da direita francesa, obteve 23,15%, mas em um cenário de crescimento e alguma moderação do discurso ideológico de extrema-direita — sobretudo em relação ao “Frexit”, uma eventual saída do país da União Europeia, que foi deixado de lado.

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“Tem sim (chances reais de vitória de Le Pen). A eleição está muito apertada e pode ser a chance de Le Pen ganhar porque ela vem crescendo. Em 2002, quando o pai dela (Jean-Marie Le Pen) perdeu para Jacques Chirac, foi de forma avassaladora, com quase 80% dos votos no segundo turno. Desde então, a Frente Nacional (antigo nome ao atual Reagrupamento Nacional) vem crescendo ao longo dos anos a cada eleição. Me parece inevitável, se não agora, no futuro, uma vitória deles”, avalia Marcio Coimbra, coordenador de pós-graduação de Relações Institucionais e Governamentais (RIG) do Mackenzie Brasília.

A pesquisa de intenção de voto OpinionWay-Kea Partners publicada pelo Les Echos e rádio Classique mostra que Le Pen reduziu a diferença em 1 ponto percentual, ainda atrás de Macron: 54% contra 46%.

No entanto, dois fatores parecem determinantes à eleição francesa: a estimativa de comparecimento às urnas no segundo turno está em 70%, abaixo dos 74,56% registrados em 2017, o menor número registrado desde 1969. O segundo é a disputa pelos eleitores do esquerdista Mélenchon, terceiro colocado no primeiro turno.

“Macron é favorito, mas muito depende até que ponto ele consegue mobilizar quem não votou em Le Pen no primeiro turno a comparecer às urnas”, avalia Kai Enno Lehmann, professor de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP). “Principalmente os eleitores de Mélenchon, que falou para não votar em Le Pen, mas não falou para votar em Macron. Diria que Macron é favorito, mas não é impossível que Le Pen ganhe.”

A Quinta República Francesa, instaurada em 1958 por Charles de Gaulle, é um regime híbrido semi-presidencial (ou duplo executivo). Há um presidente eleito pela população que divide o poder executivo com o primeiro-ministro, indicado pelo Parlamento. Neste contexto, Le Pen teria dificuldades em governar devido ao desempenho de seu partido nas eleições legislativas.

“Le Pen não tem chance de maioria legislativa porque, nas eleições locais, seu partido foi muito mal”, explica Coimbra.

Embora tenha abandonado a ideia do “Frexit”, Le Pen ainda defende com veemência uma política anti-imigração e é próxima ideologicamente de populistas de direita como o húngaro Viktor Orbán, o polonês Andrzej Duda e até mesmo de Vladimir Putin – o Kremlim já doou dinheiro ao partido de Le Pen. Contudo, Le Pen já condenou publicamente a invasão sobre a Ucrânia.

Veja aqui as principais propostas de Le Pen.

As consequências ao Brasil

Há muita especulação sobre como uma eventual vitória de Le Pen poderia beneficiar o Brasil a partir da proximidade ideológica com o presidente Jair Bolsonaro. No entanto, dificilmente o Brasil poderia se beneficiar de uma candidata que defende subsídios comerciais a seu país.

“O que mudaria em termos de políticas externas é que Bolsonaro teria na União Europeia uma aliada que no momento ele não tem. Em termos comerciais é difícil porque temos um acordo Mercosul-União Europeia que precisa ser ratificado, mas não há chance de ratificação com ou sem Le Pen”, acredita Lehmann.

A ratificação do acordo de livre comércio Mercosul-UE depende sobretudo de um maior compromisso ambiental por parte do Brasil – Macron ameaça não assinar o tratado caso o governo brasileiro não controle o desmatamento na Amazônia.

“O problema da relação Brasil-França está no Brasil, em Bolsonaro. Certamente, para o Brasil, uma reeleição de Macron é muito mais vantajosa porque Le Pen não faria bem ao Brasil. Há proximidade ideológica com Bolsonaro, mas os resultados práticos e concretos desse alinhamento não se traduziriam em ganhos de mercado em relação à economia. Seria uma aliança simplesmente política”, pontua Coimbra.

“No cenário econômico e político do Brasil, acho que uma vitória de Macron seria menos problemática porque criaria menos instabilidade em um dos principais mercados brasileiros. Economicamente, quanto mais instabilidade na Europa pior pro Brasil”, finaliza Lehmann.