Viradas são feitos para poucos times. Em especial aquelas que acontecem em momentos decisivos e de intensidade dramática. Virar uma rodada de pôquer que começou ruim, num jogo entre amigos, é uma coisa. Virar a final da Copa de 1950 no Maracanã tem outra envergadura. A da JBS tem outra envergadura. Em maio de 2017, quando foram tornadas públicas as conversas não republicanas de Joesley Batista com o então presidente Michel Temer, as ações da empresa saíram da casa dos R$ 10 para a faixa dos R$ 6 (chegaram a exatos R$ 5,98 dia 22 de maio). No pregão da última quinta-feira eram vendidas a R$ 28,60 (às 12h29). Números explicam a virada da companhia. Mas seu principal comandante, Gilberto Tomazoni, 61 anos, prefere outra narrativa. “As pessoas”, diz.

O CEO global completa nesta semana exatamente um ano no cargo. Com seis anos no grupo, e desde 2015 comandando as operações globais, foi convocado pelo próprio Zé Mineiro, o José Batista Sobrinho, fundador da JBS. No comunicado oficial, à época, Zé Mineiro disse que “Tomazoni vive a cultura da empresa e conhece profundamente nossos negócios”. Não eram frases soltas. A decisiva cadeira deveria ter um perfil que não dominasse apenas o business, mas entendesse de gente. “Era fundamental manter as pessoas motivadas e integradas”, diz Tomazoni. Para isso foi preciso agir, e de forma transparente.

A história da companhia de José Batista Sobrinho, o JBS, é o clássico storytelling que cria uma orgulhosa cultura organizacional. Ele abriu um pequeno açougue em 1953, no interior de Goiás, e tocava o negócio praticamente sozinho. De açougue a grande empresa de atuação nacional o caminho estava construído, mas o business virou império mesmo já com seus três filhos homens no comando. Para se tornar player mundial a JBS precisou de outros ingredientes. E eles vieram quando ela foi ungida no governo Lula para ser uma das “campeãs nacionais” – supergrupos em segmentos estratégicos que teriam atuação global.

Recebeu pesados aportes (R$ 31,2 bilhões, em valores atualizados) do BNDES, por meio de empréstimos e compra de ações: o banco detém 21,32% da companhia, que teve o capital aberto em 2007. Quando Joesley e Wesley foram presos, essa narrativa vitoriosa foi abalada. Zé Mineiro, a contragosto do BNDES, assumiu a empresa após a prisão dos filhos e, 15 meses depois, passou o bastão a Tomazoni. Era a pessoa mais que certa. Conhecia a operação. Conhecia a cultura. E seu primeiro passo foi manter a coesão.

“Investir em inovação não é uma linha no orçamento. Precisa estar no mindset de todos na empresa. A tecnologia dá às pessoas a oportunidade de viver novos estilos”

“Era fundamental ter as pessoas confiantes no futuro da organização”, diz o CEO global. Para isso, a estratégia num primeiro momento foi reduzir o endividamento e focar na geração de caixa. Mas cuidar dos funcionários foi igualmente chave. “Temos uma responsabilidade social fantástica”, afirma. São 235 mil funcionários (110 mil no Brasil), e 70 mil famílias parceiras atuando na cadeia de suprimentos. O faturamento de 2019 será recorde e deve se aproximar dos R$ 200 bilhões. É a segunda maior empresa de alimentos do planeta, atrás da suíça Nestlé.

Todo esse movimento não interrompeu – nem poderia – o pensar no futuro. Tomazoni, em pessoa, é um obstinado por inovação e pelos novos hábitos dos consumidores. Traz de cabeça dados que mostram o futuro exponencial do consumo de proteína no planeta (“Crescerá 70%, porque teremos 2,5 bilhões a mais de pessoas até 2050”), mas igualmente se importa com tendências de comportamento (“Há uma mudança no hábito alimentar das pessoas, que buscam comidas menos processadas, independentemente de classe social ou fator etário”).

“Vivemos uma era de aprendizado muito intenso”, diz. E o fato de ter uma presença global fez da JBS mais que uma empresa de alimentos: virou uma companhia multicultural. “E isso tem sido um laboratório magnífico, que nos permite antecipar tendências em diversos países.” Esse caldo multicultural gera dados que a JBS cruza para modelar se determinado comportamento é uma tendência regional que pode ser reproduzida em outro mercado, ou mesmo se pode ser um padrão global. “A tecnologia dá às pessoas a oportunidade de viver novos estilos”, afirma Tomazoni. A inteligência para captar com rapidez essas soluções faz com que hoje a JBS tenha centros de inovação ou parcerias com universidades da Nova Zelândia a Chicago. “Investir em inovação não é uma linha no orçamento: precisa estar no mindset de todos na empresa.” Um ensinamento que o CEO traz de casa. De sua mãe, que o mandava estudar sem parar. E de seu pai, que o inspirava a buscar sempre algo diferente e maior. “Mas ele dizia que não basta só você estar bem, é preciso que todos estejam também”. Zé Mineiro mandou bem na escolha.