Em 2015, o empreendedor mineiro Gustavo Caetano, CEO da Samba Tech, foi convidado para uma reunião com executivos do alto escalão da Microsoft, em Redmond, onde está seu quartel-general. Ele aceitou o convite, mas achou estranho o interesse. “Meu celular roda Android e o meu computador é um Mac”, diz Caetano. “Não usávamos nada da Microsoft, nem no escritório. O que eles queriam com a gente?” A intenção era clara: associar a imagem a uma empresa inovadora. Tanto que, após o encontro, a Samba Tech deixou de ser um cliente do serviço de computação em nuvem da Amazon e passou a usar o Azure, da Microsoft. A companhia fundada por Bill Gates também o ajudou a entrar nos Estados Unidos com o Kast, um comunicador corporativo baseado em vídeo. Hoje, a startup mineira conta com 600 empresas utilizando o aplicativo no mercado americano. “A Microsoft deixou de ser uma empresa de venda de software para transformar o negócio de seus clientes”, diz Caetano.

A frase de Caetano parece um clichê. Mas não é. Durante anos, a companhia de Redmond defendeu com unhas e dentes o legado do Windows. Nada, mas absolutamente nada, era levado adiante se pudesse prejudicar o reinado do sistema de janelas.Din1004_Microsoft2 Por conta dessa estratégia, a Microsoft ficou para trás e perdeu terreno para Google e Apple no Olimpo da inovação. Essa fase foi definitivamente enterrada por Satya Nadella, o indiano que assumiu a empresa há três anos, substituindo a Steve Ballmer, que a comandou de 2000 a 2014. Em pouco tempo, ele começou a virar a Microsoft de cabeça para baixo. Dogmas foram derrubados e o Windows deixou de ser o centro do universo. O resultado dessas mudanças pôde ser observado no fim de janeiro, quando o valor de mercado da companhia ultrapassou os US$ 500 bilhões, o que não acontecia desde março de 2000, um pouco antes do estouro da bolha da internet. Só a Apple e a Alphabet, que controla o Google, valem mais. “Nadella é a chave da transformação da Microsoft”, afirma Ed Anderson, vice-presidente de pesquisas da consultoria americana Gartner. “Ele incorpora a ‘Nova Microsoft’, aberta a novas ideias e novos mercados.”

Nadella imprimiu, desde o começo, um ritmo de startup ao transatlântico com receitas de US$ 85,3 bilhões e lucro de US$ 16,8 bilhões em seu exercício fiscal de 2016. Como importante executivo do setor de computação em nuvem, o indiano abriu diálogo com a comunidade do software livre para desenvolver aplicações para o Azure. A menção aos programas de código aberto provocava abalos sísmicos na época de Ballmer, que chegou a afirmar, em 2001, que eles eram um “câncer”. Nadella também ofereceu gratuitamente o Office para ser utilizado em iPads e iPhones. Antes, o pacote de automação de escritório rodava exclusivamente no Windows. A nova versão do sistema de janelas, a 10, foi também ofertada sem custo para os usuários que queriam atualizar o programa, algo inimaginável na época de Ballmer e até mesmo de Gates.

DE OLHO NO FUTURO: Gates é conselheiro de Nadella, que aposta em produtos inovadores, como o óculos Hololens
DE OLHO NO FUTURO: Gates é conselheiro de Nadella, que aposta em produtos inovadores, como o óculos Hololens (Crédito:Neale Haynes/Contour by Getty Images | Divulgação)

Simultaneamente, a Microsoft voltou a inovar, sepultando a imagem de copiar de forma ajambrada produtos da concorrência, como o tocador de música digital Zune, criado para competir com o iPod, da Apple, em 2006. Um exemplo dessa nova etapa é o Hololens, óculos que foram chamados de “o computador holográfico mais avançado do mundo”, desenvolvido pelo brasileiro Alex Kipman. “A Microsoft transformou o seu negócio”, afirma Roberto Prado, diretor de computação em nuvem da Microsoft Brasil, que está há 15 anos na companhia.

Ao mesmo tempo em que quebrava paradigmas, Nadella abriu a carteira e comprou 36 empresas desde 2014, quase o triplo do que Ballmer fez em seus últimos três anos à frente da Microsoft. Entre elas, está a aquisição do LinkedIn, por US$ 26,2 bilhões, na maior transação da história da Microsoft. O objetivo é associar a rede social corporativa aos seus produtos, como o Office e o Dynamics. Ao contrário de Ballmer, Nadella trouxe os executivos das empresas incorporadas para o dia a dia da Microsoft. “Não fizemos tudo certo em relação a nossa cultura, especialmente sobre aprender com os outros”, disse Nadella, em uma entrevista. “Caso contrário, por que perderíamos grandes tendências?”

Ao longo da sua história, a Microsoft ficou para trás porque não só protegia o Windows, como também tinha uma cultura fechada, assim como seus softwares. Para ser promovido era necessário ter de dez a 20 anos de casa – o próprio Nadella é um veterano, com 24 anos de serviços prestados a Bill Gates. Mas isso também mudou rapidamente. O executivo indiano foi buscar esse sangue novo nas empresas incorporadas. Um exemplo é Javier Soltero, que se juntou a Microsoft quando a Acompli, que desenvolvia um aplicativo de e-mail e calendário para usuários do Outlook, foi adquirida por estimados US$ 200 milhões, em dezembro de 2014. Rapidamente, ele assumiu os negócios do Outlook, um dos produtos mais usados da Microsoft. No fim do ano passado, Soltero foi promovido, passando a ser o responsável pelo grupo do Office, o pacote de automação de escritório que conta com o processador de texto Word, a planilha Excel, o software de apresentação PowerPoint, bem como o sistema de mensagens Skype e o serviço de colaboração Yammer. “Nadella é mais ação e menos ego”, diz Caetano, da Samba Tech, que esteve com o executivo em duas ocasiões. “Ele é capaz de te ouvir, com muita simplicidade.”

Não seria fácil para qualquer executivo fazer essas transformações e manter o lucro. A Apple, sob o comando de Steve Jobs, e a IBM, sob a batuta de Louis Gerstner Jr., nos anos 1990, sofreram grandes prejuízos, antes de retomarem o caminho da lucratividade. A Microsoft tem conseguido fazer sua virada e manter a rentabilidade. Melhor: isso está acontecendo ao mesmo tempo em que dois dos principais produtos estão reduzindo suas fatias na receita da companhia. O Windows, por exemplo, representava 33% das vendas em 2002. Hoje, elas não atingem 20%. No seu segundo trimestre fiscal de 2017, encerrado em dezembro, a unidade de “Intelligent Cloud” faturou US$ 6,9 bilhões, um aumento de 8% em relação ao mesmo período do ano anterior. Só o Azure teve um faturamento 93% maior. “Muito do crescimento está focado na nuvem”, diz Rob Enderle, analista da consultoria Enderle.

Não foram poucos recursos apostados na estratégia de computação em nuvem. “Fizemos investimentos de U$ 15 bilhões em infraestrutura e centro de dados do Azure”, diz Prado, da subsidiária brasileira Microsoft. Apesar dos bons resultados, o Azure, da Microsoft, representa um quinto do Amazon Web Services, o serviço rival da Amazon, de acordo com dados da Gartner. Segundo Prado, a estratégia é trabalhar em três pilares: fornecer infraestrutura, disponibilizar uma plataforma e ter o software como serviço. “A transformação digital dá acesso à inteligência artificial e as realidades virtual e aumentada.”

Um exemplo de como a nuvem e a inteligência artificial geram novos negócios no Brasil é a câmera que usa inteligência artificial para alertar sobre riscos de um paciente cair da cama, que será desenvolvido exclusivamente para o Hospital 9 de Julho, em São Paulo – os testes começam ainda neste primeiro semestre. “Hoje, a Microsoft tira pedidos como sempre fizeram, mas querem também entender como ajudar a operação das empresas”, diz Sergio Brasil, diretor de tecnologia do hospital. Depois de anos de erros estratégicos, a gigante de software parece que reencontrou seu caminho e deve ser uma das poucas empresas dos anos 1990 a manter a relevância no mundo pós-PC.

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