Elas só pensam naquilo. E eles também. Dinheiro, claro. Entre 2016 e 2020, as buscas por informações financeiras mais que quadruplicaram no YouTube em comparação com período entre 2011 e 2015. As perguntas mais frequentes, segundo um levantamento do Google Trends obtido com exclusividade pela DINHEIRO, vão das mais simples (“O que é investimento?”) às mais complexas (“Como investir em opções?”). Isso mostra que, em tempos de crise, controlar as finanças se tornou prioridade para grande parte da população. Ainda que não seja de hoje que a internet se tornou a principal porta de acesso para esse mundo, nos últimos anos multiplicou-se o número de influenciadores digitais especializados em economia e investimentos. Com destaque para as mulheres. De forma didática e com fartas doses de humor, elas vêm conseguindo traduzir o sisudo “economês” para o bom português de forma fácil, direta e com resultados.

A mais popular é a jornalista Nathalia Arcuri. Repórter de televisão e poupadora nata, ela buscava informações sobre o assunto quando percebeu que as instruções eram escassas. Certa de que não seria a única nessa situação, sugeriu a seu editor a criação de um programa que ensinasse as pessoas a sair do vermelho. Como a ideia foi rejeitada, criou o blog Me Poupe. O objetivo era tornar os princípios básicos da economia mais acessíveis aos leigos. Baseada no conceito americano do “business entertainment”, com programas do tipo Shark Tank, ela criou o que chama de entretenimento financeiro. “Falar de economia de uma forma mais palatável ajudou a atrair a atenção”, afirmou.

NATHÁLIA RODRIGUES Canal: Nath Finanças. Principais mídias: Youtube, Instagram e Twitter. Seguidores: 1 milhão. (Crédito:Leo Aversa)

Do blog para o Youtube foi um passo, facilitado pela experiência anterior diante das câmeras. Em seus vídeos, Arcuri conversa descontraidamente com sua parceira, uma colher de pau chamada Margarete. Fala de juros, indexadores e investimentos como se ensinasse uma receita de bolo. E, com essa simplicidade, o número de inscritos no canal Me Poupe passou de 35 mil em 2015 para 300 mil em apenas um ano. No fim de 2020 eram 5,5 milhões, um crescimento de 37,5% em relação ao ano anterior. Agora, Arcuri comemora os 6 milhões de inscritos. “Como venho de TV e do entretenimento, vi a possibilidade de misturar os dois universos. Porque, se você fala em linguagem financeira, a pessoa foge. Mas se fala em choro e sofrimento pela falta de dinheiro as pessoas prestam atenção”, disse. Um de seus objetivos é incluir a educação financeira no conteúdo escolar, para que as brasileiras e brasileiros tenham contato com o assunto desde pequenos e não raseguem dinheiro pela vida afora.

Para enriquecer seu repertório, Arcuri estudou economia comportamental de modo a entender duas coisas. Uma é a relação emocional das pessoas com o dinheiro. Outra: como crenças sem justificativa impedem controlar melhor as finanças. “Muita gente acha que nasceu pobre e vai morrer pobre. Eu mostro que não precisa ser assim.” Além do canal no Youtube, ela mantém uma plataforma que inclui informações em ônibus e metrô, palestras e livros. Para manter tudo isso, suas empresas empregam 60 pessoas e faturaram R$ 48 milhões no ano passado. “Falamos para cerca de 20 milhões de pessoas todos os meses pelos diversos canais”, afirmou. Isso inclui um programa emergencial para pequenos empresários, criado durante a pandemia, chamado SOS Me Poupe. Em uma daquelas ironias da história, o grande salto é um programa de televisão semanal que estreou no dia 13 de abril. Nele, Arcuri ensina a jornada para a “desfudência”, termo que ela criou para animar quem quer sair das dívidas.

ANA LAURA MAGALHÃES Canal: “Explica, Ana”. Principal mídia: Nove redes sociais. Seguidores: 300 mil. (Crédito:Divulgação)

JUROS COMPOSTOS Foi a falta de educação financeira que levou outra Nathália, a Rodrigues, mais conhecida como Nath Finanças, a buscar mais informações. De Nova Iguaçu, na Grande Rio de Janeiro, ela sentiu na pele o que essa falta de conhecimento provocava. Por isso cursou Administração de Empresas e se aprofundou no assunto. Para pagar as contas, foi trabalhar como promotora de cartões de crédito em uma rede de varejo. Até entender os danos que a falta de orientação com gastos poderiam provocar na vida das pessoas. “Ninguém explica para uma pessoa de baixa renda o que são os juros compostos cobrados nas contas. E foi quando eu percebi como faltava informação para essa população mais carente”, afirmou. Seu canal, o Nath Finanças, está entre os dez mais procurados do tema no YouTube.

Falando de forma simples sobre assuntos como poupança, uso do auxílio emergencial, e imposto de renda, Nathália Rodrigues, de 22 anos, contabiliza um milhão de seguidores nas redes sociais. “Escolho um tema, destrincho todas as informações e traduzo para linguagem informal. Assim, desde o início da pandemia já tive mais de 3 milhões de visualizações”, disse a influenciadora. Ela passou a fazer palestras em faculdades, mantém uma coluna de finanças pessoais no jornal Extra e lançou o livro Orçamento sem falhas, um bestseller na Amazon.

MARIANA FERREIRA Canal: “Tostão Furado”. Principais mídias: Instagram. Seguidores: 8,1 mil. (Crédito:Divulgação)

Ainda que boa parte do conteúdo que as influenciadoras produzem seja voltada para quem é leigo no assunto, elas atraem seguidores que têm a carteira forrada de recursos para investir — mas não sabem como nem onde. Desde que os juros baixos acabaram com a vida fácil de quem aplicava em renda fixa, mais gente decidiu ingressar no mercado de acões. O número de investidores na B3 saltou de 557 mil em 2015 para 3,5 milhões hoje. Como aplicar em renda variável exige maior conhecimento do mercado, a busca por boas recomendações cresce na mesma proporção. Foi isso que levou Ana Laura Magalhães a se tornar uma influenciadora digital. Formada em relações internacionais e sócia da XP Investimentos, ela criou há dois anos o canal Explica, Ana. A ideia era apresentar os investimentos disponíveis. Mas o trabalho ganhou uma proporção tão grande que ela deixou o dia a dia dos investimentos para se dedicar exclusivamente à coordenação e produção de conteúdo da XP. Com mais de 300 mil seguidores nas nove redes sociais em que atua, o Explica, Ana tem planos de chegar a 2 milhões até o fim de 2022. “Continuo ajudando os clientes, só que hoje de outra forma”, disse Ana Laura.

Outra que apostou na informação clara e direta sobre investimentos foi a economista Glenda Ferreira. Responsável pela relação com investidores na Trópico Investment, ela percebeu que a chegada dos novatos exigia mais informações sobre o mercado financeiro. Há três anos, incentivada por uma amiga, começou despretensiosamente a dar dicas no Instagram. Nesse período, ela notou que dois sentimentos moviam as pessoas: o medo e a ganância. “Há muita gente que não quer se arriscar demais em novos investimentos. Mas há aqueles que acham que podem enriquecer do dia para noite. Para os dois casos é preciso explicar, de forma clara e direta, quais são os riscos e os ganhos possíveis”.

TOSTÃO FURADO A trajetória da influenciadora Mariana Ferreira é parecida. Também despretensiosamente, ela criou o canal Tostão Furado no Instagram, no que fala de finanças pessoais com a bagagem de quem veio do mundo bancário. Formada em produção audiovisual, ela trabalhou nos canais do Bradesco por 13 anos, fornecendo informações financeiras sobre os produtos do banco. Foi quando percebeu o desconhecimento e a falta de orien≠≠tação segura na internet. Nascida em uma família de baixa renda, porém, ela queria fazer diferença. Para isso, se aprofundou tanto em educação financeira quanto em economia comportamental. Atualmente, mais do que proporcionar conselhos na rede, ela se tornou uma consultora, assessorando clientes que a procuram para ajudar a equilibrar seus orçamentos, além de indicar investimentos. “Hoje vou além do virtual e entro na vida real das pessoas para ajudar não só a organizar as contas como também a traçar estratégias de investimentos”, disse.

GLENDA FERREIRA Canal: Tropico Invest. Principal mídia: Instagram. Seguidores: 7,4 mil. (Crédito:Divulgação)

Além de informar, orientar e até entreter, as influenciadoras romperam uma barreira histórica no mercado financeiro. “Sempre houve um certo preconceito dos profissionais da área com quem buscava simplificar as explicações para facilitar o entendimento das pessoas”, disse Nathalia Arcuri, que em 2020 foi eleita a Mais Admirada Jornalista de Economia, Negócios e Finanças em premiação do site Jornalistas e Cia.