Uma empresa de telefonia não mudou muito a forma de ganhar dinheiro desde que o escocês Alexandre Grahan Bell inventou o telefone, em 1876. De uma forma geral, a companhia instalava um aparelho na casa dos clientes, cobrava uma assinatura mensal pela linha fixa e tarifava as ligações. Novos serviços foram surgindo ao longo do tempo, mas nenhum deles era capaz de superar as receitas originadas com a voz. Mesmo com o advento da internet, ela reinou absoluta até pouco tempo atrás. Nos últimos quatro anos, a ascensão de aplicativos de mensagens, como o WhatsApp, e o aumento do consumo de vídeos por meio da Netflix e do YouTube acabaram com esse reinado. Os planos de banda larga fixa e móvel, bem como serviços ligados a eles, tornaram-se o principal ganha-pão de todas as operadoras brasileiras, representando mais de 50% de suas receitas neste primeiro trimestre de 2017. “Esses serviços fizeram com que naturalmente o consumo de voz caísse”, afirma André Loureiro, gerente de pesquisa e consultoria da IDC Brasil.

Não foi uma queda suave. Em 2016, as receitas das operadoras de telefonia celulares com ligações despencaram 38,9%, quando somaram R$ 23,2 bilhões, segundo dados da consultoria Teleco, especializada em telecomunicações. Num período de quatro anos, a perda é ainda maior: 54,8%. Em 2012, a voz contribuía com R$ 51,4 bilhões aos cofres das teles móveis (confira gráfico abaixo). “Não se trata de uma tendência (a transição de voz para dados)”, afirma Eduardo Tude, presidente da Teleco. “Já é uma realidade.” Esse cenário obrigou as operadoras a reinventarem seus modelos de negócio de forma acelerada. É como se trocassem as turbinas de uma aeronave durante o voo.

Flexibilidade: a Oi, de Winik, desenvolveu um plano em que seus clientes podem trocar os minutos de voz por dados ­– e vice versa. “Em 75% dos casos, eles preferem mais dados”
Flexibilidade: a Oi, de Winik, desenvolveu um plano em que seus clientes podem trocar os minutos de voz por dados ­– e vice versa. “Em 75% dos casos, eles preferem mais dados” (Crédito:Divulgação)

Os primeiros resultados começam a aparecer. A Vivo, por exemplo, obteve 63,3% de sua receita líquida no primeiro trimestre deste ano de serviços chamados de não voz – entra, nessa conta, banda larga fixa e móvel, tevê por assinatura e serviços digitais. A TIM, pela primeira vez, observou também essa virada. Nos três primeiros meses deste ano, o faturamento de serviços de valor agregado (dados e outros serviços) representou 52% da receita. Na Oi, a fatia de dados chegou a 54,1% de seu negócio de celulares. A Claro não divulga seus números. “As operadoras estão enfrentando uma mudança de comportamento do consumidor”, diz Christian Gebara, vice-presidente executivo da Telefônica Brasil, dona da marca Vivo.

Essa mudança de comportamento se reflete nos planos que as companhias passaram a oferecer aos seus consumidores. Em todos eles, as franquias de dados se tornaram as estrelas. A voz é uma mera coadjuvante. A Oi, por exemplo, desenvolveu um modelo em que seus clientes podem trocar os minutos de voz por dados – e vice-versa. “Em 75% dos casos, eles preferem ganhar mais dados”, afirma Bernardo Winik, diretor de varejo da Oi. Na Claro, seus pacotes oferecem voz ilimitada para todas as operadoras e não só para ligações dentro de sua própria rede como acontecia anteriormente. “Acabamos com o efeito clube, no qual as pessoas se falavam apenas com quem era da mesma operadora”, diz Márcio Carvalho, diretor de marketing da Claro.

DIN1018-whatsapp3Nesses novos tempos, no entanto, oferecer apenas a infraestrutura para a conexão não basta para as operadoras de telefonia. É preciso ir além para enfrentar os serviços de streaming de vídeo e de música, como Netflix e Spotify. Eles são dois expoentes que ganham muito dinheiro em cima das redes das companhias telefônicas, sem a necessidade de investir um centavo para construí-las. “Não queremos ser apenas canos burros”, diz Winik, da Oi. Faz sentido. Nos dois últimos anos, as operadoras participaram de uma corrida para desenvolver aplicativos ou fechar parcerias para rentabilizar suas redes. “Antes bastava ter um smartphone”, diz Carvalho, da Claro. “Hoje, conteúdo é fundamental.”

O catálogo de todas as operadoras é extenso e inclui serviços de filmes ao estilo Netflix, bem como aplicativos de educação e até mesmo de culinária. A TIM, por exemplo, fez acordo com a Deezer para criar o TIM Music. “Conseguimos otimizar a experiência do cliente e da nossa rede também”, afirma Daniel Cardoso, diretor executivo de marketing da TIM. A Vivo, por sua vez, fez parceria com a francesa Vivendi, na qual são filmadas séries para serem reproduzidas exclusivamente no celular. O modelo de negócios das empresas de telefonia está mudando de forma tão acelerada que Graham Bell, se ressuscitasse, talvez não fosse capaz de reconhecer uma companhia telefônica nos dias de hoje.