O início de 2020 trouxe a expectativa de crescimento de 2,30% no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Com status de “ano da retomada”, havia um otimismo que se apoiava na esperança de colocar no passado os seis anos anteriores (2014-2019), período em que a economia oscilava entre crescimento ínfimo e recessão. O otimismo não podia prever o horizonte pandêmico que estava por vir. Agora, diante do inimigo sem face da Covid-19, o Banco Central tem novos cálculos. E a alta de 2,30% dá lugar para um decréscimo de 3,34%. É a 11a semana seguida de queda nas projeções. O número, que por si só já é motivo de preocupação, pode chegar a -10,2%, dependendo de quem faz a previsão e de como a crise gerada pela doença evoluir. Em qualquer cenário, há risco de não haver crescimento também no próximo ano.

“É preciso cautela para entender que os números refletem apenas o momento. Se a saúde colapsar em três semanas, ou então, se os municípios quebrarem por falta de recursos, o buraco pode ser ainda maior e se arrastar por 2021”, diz Carlos Rossi Nogueira, professor de economia da Universidade de São Paulo. A avaliação do acadêmico é de que, quanto mais demora houver no controle da doença, maior será o rastro da recessão. Isso pode significar que as previsões de crescimento de 3% para 2021 correm o risco de virar pó. “Isso só seria evitável com o controle da doença até julho. Se a pandemia adentrar o segundo semestre, a recessão se arrastará para o primeiro trimestre de 2021, tornando inviável um crescimento desse porte”, afirma. Apesar de não conseguir prever os dedobramentos da pandemia, o Boletim Focus da segunda-feira 27 trouxe algumas boas notícias. Uma é a continuidade do controle da inflação, medida pelo IPCA, agora em 2%. O dólar, que chegiu a R$ 5,73 na sexta-feira 24, após a saída do ministro Sergio Moro, chegaria em dezembro deste ano a R$ 4,80. Outro dado positivo, principalmente para a dívida pública, é o patamar baixo da Selic. A previsão é que saia dos atuais 3,75% para 3%. “Isso é bom, principalmente para estados, municípios e União, que possuem dívidas que poderão ser arroladas com juros menores”, avalia Nogueira.

Os dados são reunidos no Boletim Focus, um importante termômetro de como o mercado financeiro estima o comportamento da economia. Divulgado semanalmente com as projeções de cerca de 120 instituições financeiras do País, ele traz a mediana das expectativas macroeconômicas e ajudam o BC a balizar sua estratégia. Para o próximo ano, por exemplo, a expectativa do mercado é que a Selic suba para 4,5%. Carlos Lindenberg, analista econômico e consultor da Prisma Investimentos, diz que, se a economia ensaiar uma reação e o Brasil precisar captar capital estrangeiro, seria interessante elevar um pouco a Selic. “Caso a atividade se mantenha fraca, ela seguirá baixa.”

A mão do ESTADO Uma questão que toma conta das rodas de conversas – virtuais – do mercado é se após o fim da pandemia a economia irá reagir sozinha. Para muitos, dependendo do tamanho do tombo da atividade, a retomada não dependerá apenas da mão do mercado, e será necessário uma ajuda do Estado. Entre eles está o ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa, que comandou a pasta no governo Dilma Rousseff. “O País sairá da crise com empresas tendo receita muito menor e famílias com renda inferior ao período que a antecedeu. Não é viável concluir que o mercado irá se recuperar sozinho”, diz ele, que hoje leciona da Fundação Getulio Vargas.

Se a expectativa de queda de 3,34% parece ruim, ela se torna catastrófica caso se confirme a previsão feita pelo banco suíço UBS, que é de -10,1%. O número alarmante se dá no cenário mais pessimista dos três avaliados pela instituição financeira. Em relatório, os economistas Tony Volpon e Fabio Ramos destacaram que a imposição de medidas de distanciamento social geraram um choque extremo de oferta, em que muitas empresas “não essenciais” irão interromper a produção. “Isso gera uma cadeia de cortes repentinos na renda dos trabalhadores e pagamentos a fornecedores e credores.”

Para lidar com esse corte drástico nos rendimentos de empresas e trabalhadores, o banco avalia que as medidas do governo para tentar amortecer a queda não serão o bastante. “Os programas de apoio do governo tentaram preencher as lacunas no fluxo de caixa, mas apesar desses esforços, a economia sofrerá um grande grau de desorganização, o que significa inicialmente que um grande choque de oferta se transformará em um choque de demanda de tamanho recessivo”, afirma o relatório da UBS. Com o fim da pandemia, o crescimento médio inicial giraria em torno de 1% — dependendo da duração do isolamento radical e da capacidade do governo de se comunicar com o mercado e refletir confiança sobre os caminhos do País. “Os sinais positivos que o mercado espera envolvem a capacidade de formular e executar uma agenda de reformas para lidar com os impactos fiscais da Covid-19 e uma rota de saída da crise e retomada de crescimento”, afirma Ramos, do banco UBS.

SINAIS DA CRISE Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, trabalha com expectativas de que o PIB fique negativo em 3,34% este ano. Já a Taxa Selic fecharia em 3%. (Crédito: Nelson Almeida)

A agência de risco Moody’s estima retração de 5,2% do PIB até dezembro. Segundo a agência, mesmo com os gastos públicos aprovados para o combate ao coronvírus, o País ainda se enquadra entre as nações menos rigorosas no controle da pandemia — ao lado de Arábia Saudita, Indonésia, México, Rússia e Turquia — e sentirá reflexos mais profundos que as nações que adotaram medidas mais radicais de isolamento social. “O Brasil enfrenta uma crise sem precedentes, assim como o resto do mundo, mas sua falta de espaço fiscal o colocou em uma posição ainda mais desafiadora”, apontam os economistas Arthur Carvalho e Thiago Machado, da Moody’s. “Com um ponto de partida fraco, o País não conseguirá fazer um pacote fiscal proporcional ao tamanho do choque negativo sofrido na economia.”

O mercado estima que o déficit primário do setor público consolidado chegue a 8,8% do PIB. Já o déficit nominal (não deflacionado) chegaria a 14,1%. “O espaço para expansão adicional é limitado, uma vez que a dívida bruta já representa 76% do PIB”, dizem os economistas da Moody’s. Ainda em um exercício de futurologia, o mercado tenta precificar o tamanho do rombo e as rotas de saída de uma crise que já é dada como certa. A diferença é o tamanho do tombo e a duração da recessão.

COTAÇÃO FUTURA Após um ano de altas históricas, o dólar pode fechar 2020 a R$ 4,80, segundo o Boletim Focus. (Crédito:Du Andrade)