Se quiséssemos ser apenas felizes, isso não seria difícil. Mas como queremos ficar mais felizes do que os outros, é difícil, porque achamos os outros mais felizes do que realmente são.” A frase foi escrita por Charles Louis de Secondat, o Barão de Montesquieu, na página 593 do volume 2 de Oeuvres, obra iluminista de 1817. O pensamento acima bem poderia descrever o sentimento do mercado ao ver o resultado do Banco do Brasil no dia 13, depois de ter apreciado os números de Itaú, Bradesco, Santander e BTG Pactual. O BB reportou lucro de R$ 31,8 bilhões em 2022, 51,3% acima do obtido em 2021. Desse montante, R$ 9 bilhões no quarto trimestre, com um retorno de 23% sobre o patrimônio líquido. É de fazer inveja a todos os demais grandes bancos privados brasileiros.

“O lucro é a medida exata do que entregamos”, afirmou a presidente do BB, Tarciana Medeiros, que apesar de ter assumido em janeiro é funcionária de carreira da instituição. “O resultado comprova que somos disciplinados na execução de nossa estratégia corporativa, que vem sendo trilhada por sucessivas gestões do banco.” Tarciana disse que o retorno de 23% foi construído após uma longa travessia e que o resultado foi amparado no crescimento responsável da carteira de crédito, com inadimplência controlada, diversificação de receitas e disciplina na gestão de custos. “O rigor não nos impede de sermos flexíveis quando necessário. Sabemos fazer ajustes de rota e nos adaptar ao mercado e à economia”, disse.

A presidente ainda abordou o papel social da instituição, sem abrir mão do retorno adequado aos acionistas. Tarciana afirmou que o BB vai participar do programa de renegociação de dívidas de pessoas físicas (o Desenrola) junto de todo o setor bancário e também do aumento do crédito do Programa de Agricultura Familiar (Pronaf). “As discussões sobre o Desenrola estão no âmbito da Febraban e do Ministério da Fazenda. Em relação ao Pronaf, nós vamos participar de forma efetiva para que a gente tenha a justa proporção do tamanho do Banco do Brasil no Plano Safra”, afirmou a executiva. “Vamos buscar recursos junto ao governo federal para uma atuação mais forte no Pronaf.”

RIGOR e FLEXIBILIDADE A nova presidente do BB, Tarciana Medeiros, considerou que o lucro recorde é resultado de uma longa travessia por sucessivas gestões e apontou rigor e flexibilidade na instituição. (Crédito:Divulgação)

Na Bolsa, o mercado gostou do discurso de Tarciana e das projeções corporativas. Entre as expectativas para 2023 (guidance) divulgadas, a carteira de crédito do BB deve crescer entre 8% e 10%. Já o lucro líquido ajustado é projetado para uma faixa entre R$ 33 bilhões e R$ 37 bilhões. A instituição cumpriu com suas projeções no último ano e distribuiu aos acionistas R$ 11,8 bilhões em dividendos, equivalente a 40% do resultado de 2022. Diante desses números, a ação subiu 2,33%, a R$ 41,55, no fechamento do pregão do dia 14.

A fortaleza do banco estatal permanece na inadimplência controlada em empréstimos consignados (R$ 115 bilhões) para funcionários públicos e no financiamento ao agronegócio (R$ 309,7 bilhões), um dos setores mais resistentes da economia brasileira. Com uma carteira de crédito ampliada que alcançou a marca de R$ 1 trilhão, a inadimplência acima de 90 dias ficou 2,5% em dezembro de 2022, abaixo da média do Sistema Financeiro Nacional (SFN), que encerrou o período em 3,0%. Mas no detalhe, o calote de clientes pessoas físicas aumentou de 3,31% em dezembro de 2021 para 5,44% em dezembro de 2022, ao passo que a inadimplência das empresas subiu de 1,35% para 1,83% na mesma comparação.

AMERICANAS Para o analista de bancos da Genial Investimentos Eduardo Nishio, a inadimplência está mais elevada em todo o setor bancário e com o agravante do caso da dívida bilionária da Americanas, que influenciou as provisões contra perdas do BB e dos demais bancos privados. O BB fez uma provisão de R$ 788 milhões (50%) da dívida da varejista, que totaliza pouco mais de R$ 1,5 bilhão na instituição. “Na concorrência, Itaú e Bradesco provisionaram 100%, o BTG Pactual, 60%, e o Santander, 30%. Era melhor que tivessem feito tudo, como Itaú e Bradesco, para tirar logo do balanço”, afirmou Nishio. O BB justificou o provisionamento de 50% do caso específico de Americanas com base em suas metodologias, que consideram a recuperação de ativos. O vice-presidente de Controles Internos e de Gestão de Riscos, Felipe Prince, disse que a despeito de existir “uma inconsistência contábil que precisa ser explicada”, na visão dele o impacto do caso no balanço foi pequeno porque existe probabilidade de recuperação de parte dos ativos.

Nos bancos privados, com exceção do Itaú, que também apresentou um lucro expressivo de R$ 30,8 bilhões em 2022, 14,5% acima de 2021, e retorno de 20,3% sobre o patrimônio líquido (ver quadro), o caso da Americanas pesou nas entregas. Em briga pública com a varejista, o BTG Pactual determinou a provisão de 60%, ou R$ 1,2 bilhão, das dívidas de Americanas, mas ainda conseguiu lucro de R$ 8,3 bilhões, alta de 28% na comparação anual, e retorno de 20,8% sobre o capital. Já o Santander informou lucro de R$ 12,9 bilhões no ano passado, com retorno anualizado de 16,3%, e provisão de 30% das dívidas da varejista. A maior decepção ficou para o Bradesco, que havia apresentado em 2021 resultado excepcional (R$ 26,2 bi) e agora em 2022 mostrou lucro modesto (R$ 20,7 bilhões), com retorno de 13,1% sobre o patrimônio líquido.

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“Estamos trabalhando intensamente em nosso objetivo de alcançar retorno recorrente de pelo menos 18%” Octavio Lazari Jr, Presidente do Bradesco.

Em teleconferência de imprensa no dia 10, o presidente do Bradesco, Octavio de Lazari Jr., lamentou a provisão integral de R$ 4,9 bilhões desse cliente-encrenca do atacado que virou a Americanas. “Estamos trabalhando intensamente em nosso objetivo de alcançar retorno recorrente de pelo menos 18%”, disse. Sem jamais citar o nome da varejista, Lazari disse que o caso foi imprevisível. “Foi uma fraude”, afirmou.

SECA NO CRÉDITO Questionado sobre os impactos no crédito privado, Lazari considerou que o caso foi pontual, mas considera haver menor apetite por crédito nas médias e grandes empresas em 2023. “O empresário será e deve ser mais cuidadoso na tomada de crédito”, disse. “A taxa de juros está bem elevada, com isso, muitas empresas estão acessando [recursos] no mercado de capitais”, afirmou.

Atento para uma possível seca do crédito corporativo, o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante, sinalizou à imprensa para uma linha de crédito emergencial para os fornecedores da Americanas. Mercadante argumentou que a crise da Americanas aponta para uma retração do crédito, que já apareceu nos balanços dos bancos. Parafraseando o francês Montesquieu, mesmo com a inveja por lucros, ainda não é possível garantir a felicidade daqui para frente.