Sua história poderia inspirar um livro de superação e conquistas. O empresário Edson de Godoy Bueno, sempre que podia, contava que, aos 14 anos idade, quando brincava num armazém de sua cidade, a pequena Guarantã, no interior paulista, caiu de sacos de algodão e desmaiou. Ao acordar, a primeira imagem que viu foi a do único médico da cidade, a do doutor Moacyr Carneiro, que fez os primeiros socorros. Edson pensou que fosse um anjo. Talvez até fosse. O episódio foi o ponto de partida para a sua motivação de se tornar médico. Um desejo que virou motivo de piada na cidade.

Afinal, todos duvidavam que aquele engraxate pobre, órfão de pai desde os cinco anos de idade, criado com dificuldades pela mãe e que era um aluno problemático, a ponto de repetir de ano quatro vezes, conseguiria se formar em medicina. A força de vontade, sede de aprendizado e a imensa energia que marcaram toda a vida do empresário permitiram que Bueno conquistasse muito mais do que um simples diploma. Em 1971, assumiu a gestão da pequena e deficitária casa de saúde na qual trabalhava, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.

Para atrair clientes, contratou uma Kombi para transportar as mães e seus filhos recém-nascidos até suas residências, e distribuía refrigerante e sanduíche de mortadela para os pacientes. O hospital foi o embrião da operadora de planos de saúde Amil, que fundou em 1978 e que se transformou no maior grupo de saúde do País, com 6,2 milhões de beneficiários. Com o sucesso, ele entrou para a restrita lista de bilionários do planeta e tornou-se um dos 15 homens mais ricos do Brasil.

Na manhã da terça-feira 14, Bueno escreveu o último capítulo de sua história. Durante um jogo recreativo de tênis, em Búzios (RJ), sofreu um infarto fulminante. A repercussão foi imediata. “Edson foi um empresário visionário, que subverteu seu destino com a força do trabalho”, definiu José Isaac Peres, fundador da empresa de shopping centers Multiplan. “Uma pessoa que demonstrou, ao longo da vida, como a perseverança do trabalho vence.” Mais do que isso: tornou-se não só um dos mais bem-sucedidos empreendedores brasileiros de sua geração como também certamente um dos mais respeitados e queridos entre os seus pares.

Seu grande legado: a maior empresa de saúde do País, com 6,2 milhões de beneficiários
Seu grande legado: a maior empresa de saúde do País, com 6,2 milhões de beneficiários (Crédito:Divulgação)

“O Brasil perdeu um de seus grandes empresários, daquele tipo cada vez mais raro que consegue construir do nada”, lamentou Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco. “Eu perdi uma referência de self-made man, além de exemplo de retidão. Era inspiradora a sua capacidade de gestos solidários em qualquer situação.” O prefeito de São Paulo, João Doria Júnior, também demonstrou tristeza. Bueno participava com intensidade e liderava atividades do grupo Lide, de Doria, quando o assunto era empreendedorismo. “Perdi um dos melhores amigos de toda minha vida”, escreveu o prefeito no Twitter.

Nos negócios, Bueno era ousado e inquieto, bom negociador, mas sincero. A ponto de ser respeitado e fazer amigos entre os concorrentes, como Geraldo Rocha Mello, dono da Medial, empresa que acabou comprando pouco depois de a Amil abrir o seu capital em 2007. Os mais próximos notavam que se portava da mesma forma no trabalho e na vida pessoal, adorava administrar empresas e lidar com pessoas, e que não mudou depois da expansão da Amil e do sucesso financeiro pessoal. “Na primeira vez que me convidou para um réveillon em sua casa em Búzios, me apresentou as pessoas que trabalhavam com ele, contando as suas trajetórias, como a do pegador de bolas de tênis que virou chef de cozinha”, diz Luiz Fernando Furlan, conselheiro da BRF e ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

O carisma e a facilidade de se comunicar com pessoas de todas as idades e esferas sociais se traduziam na vontade de ensinar e aprender com os jovens ou em arroubos de carinho que faziam o homem de 1,88 metro tascar beijos na testa de outros empresários em público. Era uma força da natureza, que só se apagou na semana passada. Nos últimos dias, ele estava diferente. A exuberante energia, que parecia inesgotável mesmo aos 73 anos de idade, deu lugar a um irreconhecível desânimo. Na virada do ano, ele deixou o dia a dia da empresa que criou. Depois de vender a Amil por US$ 4,9 bilhões para a gigante americana UnitedHealth, em 2012, ficou decidido que permaneceria na presidência da operação do Brasil até 2016.

Por ter se tornado o maior acionista individual da matriz americana, mantinha uma posição no conselho de administração, função para a qual se preparou aprendendo a falar inglês. Depois da venda da Amil, comprou o controle da rede de diagnósticos Dasa, dona da Delboni Auriemo e Lavoisier. E confiou a seu filho, Pedro Bueno, de 25 anos, o comando executivo, por sugestão de um conselheiro da empresa. Longe da Amil nas últimas semanas, ficou deprimido. “Edson morreu de tristeza. Apesar de ter muito dinheiro e vários outros negócios, ele sentia que havia perdido sua grande obra”, diz um amigo pessoal.

Em conversa com a DINHEIRO, em 2012, quando foi eleito o EMPREENDEDOR DO ANO EM SERVIÇOS, contou que evitou por três anos as abordagens da UnitedHealth. “No princípio, não queria nem conversar”, disse. O aumento da proposta, que avaliou a Amil em mais de R$ 10 bilhões, fez pensar que a companhia evoluiria apenas se passasse às mãos de um grupo global. Quando se convenceu do negócio, deixou o trabalho chorando. Dinheiro nunca foi sua maior motivação. Numa palestra na consultoria de gestão Falconi, perguntado sobre que conselhos daria aos jovens da plateia, Bueno disse que trocaria a própria fortuna pela idade deles, e que se entristecia por não ser 10 anos mais novo para ter uma nova meta: assumir a presidência da UnitedHealth. Uma vida apenas não cabia nas ambições do pequeno Edson de Guarantã. Vai fazer falta ao Brasil.