As implicações sobre alterar geneticamente o DNA de uma pessoa são tão profundas que um grupo de cientistas acredita que o assunto deva ser discutido não só por médicos, mas pela população geral, leiga no tema. Por meio de assembleias, cidadãos com opiniões diversas seriam encorajados a refletir sobre os aspectos morais e éticos desse tipo de tecnologia, o que forneceria “um guia valioso” para os especialistas que atuam na área. As ideias que embasam a proposta, que tem a participação de pesquisadores brasileiros, estão publicadas na revista Science desta semana.

Basicamente, a edição genética consiste em modificar os genes de organismos vivos, desde humanos e insetos até plantas, para objetivos específicos. A técnica permitiria, por exemplo, alterar mosquitos para eliminar a transmissão de doenças, como a malária, criar vegetais mais resistentes e com maior produtividade ou prevenir o aparecimento de enfermidades como o câncer. Por outro lado, haveria riscos: mutações acidentais, colheitas estéreis ou novas doenças resistentes a tratamentos.

O grande potencial, positivo ou negativo, da edição genética veio à tona em 2018 quando o geneticista chinês He Jiankui anunciou o uso da tecnologia para criar dois bebês geneticamente modificados. Segundo ele, a modificação foi feita no gene CCR5 para impedir que o vírus do HIV penetre nas células. O médico chegou a ser preso, mas o trabalho dele jogou luz sobre questões cruciais acerca do assunto.

“O tema é absolutamente relevante, porque fala de escolhas e possibilidades sobre a forma como nós enfrentamos doenças, produzimos alimentos e concebemos o futuro da humanidade. Há, todavia, desafios gigantescos na regulação do uso da tecnologia, com diferentes regras em países distintos”, afirma Ricardo Fabrino Mendonça, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e um dos coordenadores do braço brasileiro da iniciativa, ao explicar o motivo da escolha desse tema.

Além disso, ele considera que o assunto, embora científico e complexo do ponto de vista técnico, “tem profundas implicações políticas e morais em uma escala transnacional”. “E essa é a cara de grande parte dos problemas públicos contemporâneos. Se não se pensarem formas efetivas de construção qualificada de participação cidadã, a própria ideia de democracia vai deixando de ter sentido”, diz o pesquisador, que também atua no Margem – Grupo de Pesquisa em Democracia e Justiça e no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital.

O projeto, liderado pelo professor John Dryzek, chefe do Centre for Deliberative Democracy and Global Governance da Universidade de Canberra, na Austrália, conta com a participação de 25 pesquisadores de todo o mundo, de áreas como governança, direito, bioética e genética. Eles foram mobilizados para organizar as chamadas Assembleias de Cidadãos, em que cem pessoas, nenhuma delas cientistas, legisladores ou ativistas, fariam considerações sobre os impactos éticos e sociais da edição genética. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.