A turnê sul-americana do primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz, na semana passada, representou mais do que um trivial passo diplomático entre chefes de Estado. Significou um salto histórico na retomada das negociações de acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE), congeladas desde fevereiro de 2021 sob os escândalos ambientais do governo Bolsonaro. Líder da maior economia da Europa e pilar de sustentação da Zona do Euro, o chanceler garantiu ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que a união dos dois blocos comerciais voltou à pauta de prioridades do Parlamento Europeu e será debatido com agilidade. “O acordo da União Europeia com o Mercosul tem importância essencial”, disse Scholz. “Nosso objetivo é chegar a uma conclusão rápida [de integração].”

Antes de se encontrar com Lula, o líder do governo alemão esteve com os presidentes Alberto Fernández, em Buenos Aires, e Gabriel Boric, em Santiago. O interesse dos europeus de estreitar relações com o Brasil e seus vizinhos tem duas razões principais: ambiental e agropecuária. Embora sejam setores interrelacionados, a Europa busca alternativas à dependência da Rússia e da Ucrânia para alimentos e energia. Essas prioridades ficam mais evidentes quando se confrontam os números de Mercosul e União Europeia. Enquanto a primeiro é formado por 288,5 milhões de pessoas e poucos membros ativos (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai — além da Venezuela, suspensa desde 2016), o bloco europeu tem 511 milhões de habitantes e 27 países. Isso sem falar no abismo de riqueza. Pelos dados do Banco Mundial, o PIB per capita da UE foi de US$ 24,2 mil em 2021, no Mercosul ficou em US$ 12,3 mil (ver quadro ao lado).

Embora os números sejam contrastantes, Scholz não escondeu suas segundas intenções ambientais com o bloco sul-americano. Ao lado do chanceler, na segunda-feira (30), a ministra da Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Alemanha, Svenja Schulze, anunciou uma doação da ordem de 200 milhões de euros (pouco mais de R$ 1 bilhão) para projetos de conservação de florestas e contenção de mudanças climáticas nos primeiros 100 dias do governo Lula 3. De acordo com Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática, parte desse recurso será usado para o combate à fome do povo yanomami.

Além do ressurgimento dos acordos para proteção da Amazônia, a sintonia entre Scholz e Lula pode ajudar a solucionar problemas crônicos do Mercosul, segundo o professor de economia do Ibmec José Niemeyer. Para ele, ao ter mais competidores externos, os países que integram o Mercosul terão de buscar mais diálogo e eficiência. “As crises enfrentadas pelo bloco mostram que o Mercosul é um acordo aduaneiro e alfandegário imperfeito, sem respeito à Tarifa Externa Comum (TEC) e com muitos conflitos entre Brasil e Argentina”, disse. “Sob o governo Lula, o Mercosul será fortalecido e resgatará seu propósito inicial de integração regional.”

A urgência do Brasil em tirar do papel o acordo de livre comércio entre os dois blocos aumenta à medida que nanicos, como Uruguai e Paraguai, buscam alternativas comerciais com outros países. O Uruguai tenta há dois anos assinar um acordo bilateral com China, por fora do Mercosul — o que representaria uma desintegração regional. Já o Paraguai conseguiu concluir um acordo, incluindo alguns setores do Mercosul, com Singapura. Só no ano passado, o intercâmbio entre Singapura e os países-membros do Mercosul movimentou cerca de US$ 7 bilhões. Parece pouco, mas é muito pelo simbolismo. Se Uruguai e Paraguai conseguem costurar acordos por fora, sem a União a Europeia o Mercosul está com o futuro ameaçado.