Em quase 40 anos de carreira, Roberto Cortes, presidente da montadora de caminhões MAN na América Latina, vivenciou 19 crises. “Essa é mais uma”, afirma o executivo. “Ela vem, ela vai.” Dessa vez, no entanto, Cortes nota algo diferente. Para ele, a economia está se descolando da política. A consciência a respeito da necessidade de reformas está produzindo um efeito de continuidade na política econômica. “Hoje, percebemos que pode mudar a política, sem mudar a política econômica”, diz Cortes. Há riscos, no entanto. A demora em se resolver a questão da presidência pode levar o País a uma paralisação geral, o que seria muito ruim. Uma solução rápida, seja ela qual for, é fundamental para manter o bom momento e garantir a retomada da economia, que começava a ser vislumbrada. “Não podemos ir até dezembro de 2018 nessa situação”, afirma. Confira a entrevista:

DINHEIRO – O sr. estava fora do País quando estourou a crise da delação da JBS. Qual foi a sua reação?

ROBERTO CORTES – Foi de surpresa. Foi totalmente inesperado. Eu estava numa reunião de conselho e fui prestar contas. Isso foi na quarta-feira 17. Às 16h, eu apresentei a situação do Brasil mostrando todos os indicadores melhorando. Bolsa, risco Brasil, inflação e taxa básica de juros caindo, etc. À noite, aconteceu aquilo que todos nós sabemos e no dia 18, de manhã, tive de reportar o ocorrido. Eu teria de ter acompanhado, ainda, uma reunião com acionistas. Mas preferi voltar ao Brasil para tocar os negócios. Obviamente, fiquei apreensivo. A indústria de caminhões está num momento difícil. O último ano em que tivemos crescimento foi 2011. Neste ano, começamos a ver alguma melhora. Mesmo assim, de forma moderada.

DINHEIRO – Como foi a reação do pessoal na Alemanha?

CORTES – A vantagem de você trabalhar numa empresa que está há 60 anos operando no Brasil é que eles sabem que crises acontecem com mais frequência aqui. Eles estão acompanhando a Lava Jato e estou sempre reportando. Óbvio que a delação da JBS teve uma reação um pouco maior, tanto que pediram para eu voltar. Eles perguntam muito sobre o efeito para o negócio. É cedo para afirmar, mas algum efeito imediato tem pela própria incerteza. Agora, diferentemente de outras crises, o mercado não parou dessa vez.

DINHEIRO – Isso é interessante. Não houve efeito negativo?

CORTES – Quando falo mercado, estou falando das minhas vendas. A gente lançou um programa grande chamado “Vem que Tem Negócio”, uma espécie de feirão eletrônico em todas as revendas, que oferece financiamento com taxa de 0,99% ao mês. Vamos manter isso. Quando se tem uma instabilidade dessa magnitude, a primeira atitude dos bancos é precificá-la. Então, sobe spread, taxas de juros, etc. Nós estamos mantendo a nossa. Pode ser isso que esteja ajudando. Mas acredito que a economia está se descolando da política. As instituições estão mais fortes e há um esforço para aprovar as reformas. Espero que haja uma transição rápida.

DINHEIRO – O que pode estar motivando esse descolamento?

CORTES – Em primeiro lugar, eu diria que é a consciência da necessidade das reformas. No passado, quando mudava a política, normalmente mudaria a economia. Seria um novo time, novo pensamento, novas teorias. Hoje, percebemos que pode mudar a política, sem mudar a política econômica, seja sob o comando do Henrique Meirelles (ministro da Economia), ou do Ilan Goldfajn, (presidente do Banco Central), ou até mesmo outros similares a eles. Esse é um risco que não existe mais. E, ainda, como o PIB do Brasil caiu dois anos seguidos, é perceptível a necessidade de uma retomada, especialmente no nosso mercado de caminhões. Tínhamos clientes com frotas com dois ou três anos de uso e, hoje, estão operando com caminhões de sete anos.

DINHEIRO – Há quem defenda que é melhor não derrubar um governo agora, para não prejudicar essa retomada econômica. Qual é a sua opinião?

CORTES – Bom, primeiro, não podemos contemporizar a questão política. O País precisa ter a consciência da urgência de se corrigir essas questões, fazendo o melhor possível para continuar com a retomada da economia. Eu não comprometeria um em favor do outro.

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, tenta tocar as reformas,  em meio à instabilidade política
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, tenta tocar as reformas, em meio à instabilidade política (Crédito:AFP Photo/Nelson Almeida)

DINHEIRO – Ainda nessa questão política, qual seria, hoje, a melhor saída?

CORTES – Difícil falar. Eu espero que a melhor saída seja a mais rápida e menos traumática. E que a política econômica, seja com essa equipe ou com uma nova, seja continuada. Temos muitos quadros gabaritados para isso. Agora, tocando no meu setor, eu tenho quase 40 anos de indústria automobilística e, pela primeira vez estávamos fazendo um plano de melhora da competitividade para o setor, que vislumbrava um horizonte de 15 anos (Cortes se refere ao plano Rota 2030, proposto pela Anfavea, associação que representa o setor automotivo, para substituir o Inovar-Auto, instituído pelo governo de Dilma Rousseff). Se a gente conseguir fazer com que ele aconteça, não teremos necessidade de subsídios em taxas de juros ou redução de imposto. É isso que eu espero. Medidas estruturais, e não medidas conjunturais e momentâneas. Com esse governo, havia abertura para discussão.

DINHEIRO – Há certo consenso, na maioria dos mercados, em torno da necessidade de reformas. Agora, é possível fazê-las com toda essa instabilidade política?

CORTES – A gente percebe que há uma uniformidade, na Câmara e no Senado, com relação a essa questão. Tem um ou outro partido que é contra, por outras razões. E eu acho que é possível manter esse consenso, mesmo vivendo um momento político complicado. Não sei se eu acho isso, ou espero. Mas vejo a possibilidade de continuar.

DINHEIRO – Desde que haja, no entanto, uma solução rápida para o problema da liderança?

CORTES – Não podemos ir até dezembro de 2018 nessa situação. Precisamos de uma solução, seja ela qual for. Pode ser a renúncia, impeachment, ou até a continuidade. Não estou dizendo qual é a melhor ou pior. A única coisa é que não podemos ficar nessa indefinição. Tem de ser rápido.

DINHEIRO – Em relação ao setor de caminhões, o sr. mencionou uma retomada nas vendas. O que está puxando esse movimento?

CORTES – Nosso setor cai há cinco anos. Mas o mercado pode se dar ao luxo de não comprar novos caminhões apenas por determinado período. A partir de certo tempo, se torna inviável transportar mercadorias com equipamentos velhos. Uma coisa é você ter um caminhão usado, ou seminovo, outra coisa é ter um velho. O modelo de negócio do setor de logística é operar com veículos seminovos. Então, estamos num momento de compra. Agora, nossa indústria vendeu 172 mil caminhões em 2011. No ano passado, vendemos 50 mil.

O transporte rodoviário responde por mais de 60% das mercadorias transportadas no País, mas sofre com caminhões velhos
O transporte rodoviário responde por mais de 60% das mercadorias transportadas no País, mas sofre com caminhões velhos (Crédito:Delamonica/Frame/Folhapress)

DINHEIRO – Em 2011 havia a expectativa de que o mercado chegasse a 200 mil unidades. Houve muita euforia?

CORTES – Sim. Crescemos de 2008 a 2011. Em 2012 teve uma mudança de legislação, com novos padrões de emissões, o que elevou o preço, e, no ano seguinte, a economia começou a cair. Nosso setor é um bom termômetro da economia. Sofremos bastante com a queda do PIB. Hoje, além da questão da idade da frota, há uma expectativa de melhora no PIB. Consequentemente, mais mercadorias sendo transportadas e mais caminhões. Afinal, 65% das cargas no Brasil são transportadas por via rodoviária.

DINHEIRO – A crise também está se refletindo no modo como o setor empresarial atua. A própria indústria automotiva esteve envolvida em investigações sobre a compra de emendas que a beneficiariam. Como isso está afetando a MAN?

CORTES – Olha, somos uma multinacional alemã, com uma área de compliance forte, uma área de auditoria muito forte e uma área de controle muito forte. Eu sempre falei que lucrar é tão importante quanto cumprir as normas. Para nós não mudou nada. O que está acontecendo no Brasil é preocupante, mas na MAN não há nenhuma consequência.

DINHEIRO – O clima entre funcionários e executivos fica pior nesses momentos de crise institucional do País?

CORTES – A gente costuma fazer da dificuldade uma oportunidade. O momento é delicado? Ok. Vamos aproveitar para ir para a rua e vender. Tocar a vida. Nós somos muito bons quando a coisa está boa, mas somos melhores ainda nas dificuldades. É uma mentalidade. Não ficamos nos lamentando. Não nos abatemos. Sempre procuramos enxergar o negócio em determinado período de tempo. No Brasil, principalmente, temos altos e baixos. O que eu falo para os alemães é que, no longo prazo, o Brasil é um bom negócio. Hoje está um pouco mais difícil. As crises são situações anormais, mas fazem parte do negócio. Precisamos fazer a roda girar.

DINHEIRO – Agora, depois de 40 anos trabalhando com esses altos e baixos, não chega uma hora que cansa?

CORTES – Vou dizer uma coisa: na minha vida profissional, vivenciei 19 crises. Essa é mais uma. Ela vem, ela vai. Uma hora é plano Bresser, Verão, Real, e por aí vai. Você tem de fazer o seu melhor e é preciso ter a consciência que é assim que se opera aqui. Precisamos nos ajustar com responsabilidade e tocar a vida para frente.

DINHEIRO – Nesse sentido, o que mais assusta?

CORTES – O que mais me coloca medo é o País parar para ver como fica. O Brasil precisa continuar a produzir e criar riqueza. Não podemos parar.