Napoleão Bonaparte, o estrategista brilhante, o grande imperador, mas para muitos também o megalomaníaco que fez da Europa um campo de batalha e o déspota que restaurou a escravidão. A França recorda seu mito nacional com um ambicioso programa cultural 200 anos após sua morte.

Dezenas de exposições e eventos sobre Napoleão finalmente verão a luz do dia a partir de 19 de maio, quando os museus serão reabertos na França com capacidade limitada, como parte de um levantamento progressivo das restrições impostas pela pandemia.

A exposição principal acontecerá no Grande Halle de La Villette em Paris, o mesmo local imponente onde Tutankhamon foi homenageado em 2019, naquela que foi a exposição mais visitada da história da França (1,42 milhão de visitantes).

“Napoleão, a exposição” vai relembrar o seu “legado político e cultural, mas também os erros” de um dos personagens mais fascinantes da História, explicaram os seus organizadores.

“Um retrato justo, sem concessões”, numa mostra “espetacular”, promete o site de La Villette. Nas redes sociais, muitos internautas expressam sua impaciência em visitá-la.

– “Cínico”, mas “não racista” –

Além de suas vitórias militares e de seu legado como criador do Estado moderno e do Código Civil, a Fundação Francesa para a Memória e a Escravidão (FME) ocupou um espaço em La Villette para ilustrar o restabelecimento da escravidão nas colônias em 1802, menos de uma década depois de ter sido abolida durante a Revolução Francesa.

Especificamente, as ordens, redescobertas em 2007, com as quais Napoleão cumpriu a vontade dos colonos que exigiam uma ordem segregacionista mais dura do que no Antigo Regime, serão apresentadas pela primeira vez.

“Napoleão agiu como sempre: sem afeto e sem moral (…) Ele era um cínico”, mas “não um ideólogo racista”, disse à AFP o ex-primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault, presidente da FME.

Por sua vez, o Museu do Exército de Paris lhe dedicará um amplo programa cultural. “Napoleon n’est plus” examinará os aspectos que envolveram sua morte por problemas de saúde em 5 de maio de 1821, durante seu exílio na ilha de Santa Helena, onde passou os últimos cinco anos de sua vida.

Seus companheiros no exílio documentaram extensivamente aquele momento – a morte, a necrópsia, a capela ardente, o túmulo – e o Museu irá propor ao espectador conduzir a investigação “ele mesmo” sobre o que aconteceu.

Paralelamente, quase 30 artistas contemporâneos – do francês de origem chinesa Yan Pei-ming à sérvia Marina Abramovic – apresentarão a sua visão de Napoleão, com “um maior distanciamento das gerações anteriores, mas com uma agudeza redobrada”, segundo o Museu do Exército.

– Versalhes e outros palácios –

O Palácio de Versalhes, ao oeste de Paris, vai abrir ao público os tesouros de Napoleão, desde a Galeria dos Coches, onde estarão expostos as carruagens encomendadas para o seu casamento imperial, até seus aposentos privados.

Outra exposição marcada para setembro na capital francesa, “Palácios desaparecidos”, vai relembrar as outras residências onde viveu o imperador, quase sempre antigas residências de reis da França.

“Napoleão era complexo e é por isso que provoca imagens contrastantes. Hoje, como no passado, há pessoas que o detestam e outras que o bajulam”, disse à AFP a historiadora francesa Natalie Petiteau sobre esse personagem, sobre o qual milhares de obras foram escritas, até 80 mil, segundo o especialista francês Jean Tulard.

Mas uma bibliografia tão extensa não parece ter esgotado tudo o que se poderia dizer sobre Napoleão: além das exposições, o bicentenário se celebra na França com a publicação de novos livros, programas de rádio, documentários de televisão, peças de teatro…

Em suma, um estudo renovado do imperador, que abrange também as áreas mais peculiares, desde a sua relação com Deus aos seus jardins preferidos.