Se o mandato do presidente Jair Bolsonaro fosse uma partida de futebol, o País estaria agora no início do intervalo. Seria uma breve pausa depois de 45 minutos de grande expectativa nas arquibancadas, xingamentos de sobra aos juízes, firulas dos jogadores e muita, mas muita bola fora. Um primeiro tempo decepcionante. A analogia entre cenário político e futebol pode mexer com os brios dos torcedores mais fanáticos, mas exemplifica o descumprimento de grande parte das principais promessas de campanha que levaram o Bolsonaro à vitória nas eleições de 2018.

Prestes a iniciar a segunda metade de sua gestão, o presidente e seu elenco econômico não executaram o esperado choque administrativo defendido enquanto candidato. A máquina pública segue tão ineficiente quanto começou. Compromissos de enxugamento do Estado viraram pó e, no campo social, o País caminhou para trás. “O sentimento que fica é de decepção”, disse o economista-chefe da Valor Investimentos, Paulo Correa. “No meio do jogo, Bolsonaro percebeu que ter uma agenda populista e leniente com a flexibilidade fiscal traz mais dividendos políticos no curto prazo, e por isso abandonou o comprometimento com as contas públicas e a agenda liberal”, afirmou.

De olho apenas na vitória em 2022, o presidente segue em campanha, sem cumprir o que prometeu quando candidato. Com a bola em jogo, a tática foi esquecida. É o caso das medidas que poderiam ter grande impacto na política e na economia. Entre elas, o fortalecimento da operação Lava Jato, as privatizações e a aprovação da reforma tributária. “Depois de ver o que ocorreu desde o dia que o governo tomou posse, não há grandes expectativas para o segundo tempo”, disse a economista-chefe da corretora Veedha Investimentos, Camila Abdelmalack. “Seja qual for o receituário do Executivo, daqui para frente dependerá muito mais do Legislativo para aprovar as reformas. E, infelizmente, o governo Bolsonaro não tem capital político para conduzir esse tipo de negociação.”

Entre idas e vindas de declarações desencontradas, o clima não parece favorecer o governo no Congresso. Na semana passada, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), usou o microfone do plenário para chamar Bolsonaro de “mentiroso”. Horas antes, o presidente havia acusado Maia de deixar caducar a Medida Provisória que previa o pagamento do 13º do Bolsa Família, afirmação desmentida até pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. “Se hoje o presidente não consegue promover uma melhora ou expansão do Bolsa Família para esses milhões de brasileiros que ficarão sem nada, a partir de 1º janeiro, a responsabilidade é exclusiva dele, que tem um governo que é liberal na economia, mas não tem coragem de implementar essa política dentro do governo e, principalmente, no Parlamento”, disse Maia.

“CHOQUE LIBERAL”? Delegado ao ministro da Economia, o projeto de enxugar o Estado ficou na memória. Os tropeços na gestão econômica são mais culpa de Guedes que do presidente. (Crédito:Marcelo Chello)

CENTRÃO É mais do que evidente que, sob a ótica da economia, as reformas encaminhadas ao Congresso tropeçaram por falta de diálogo e articulação política — apesar de ter virado a casaca ao se alinhar à ala mais fisiológica do chamado Centrão. Como exemplos, a simplificação de tributos e a isenção do Imposto de Renda para trabalhadores quem recebem até cinco salários mínimos nunca saíram do papel. Uma das maiores conquistas reivindicadas pelo governo, a reforma da Previdência foi estruturada entre governo e parlamentares durante a gestão de Michel Temer.

Parte da paralisia nas propostas econômicas se justifica, na visão de especialistas, na centralização do presidente nas tomadas de decisão e na desautorização de seus ministro, inclusive Guedes. Mesmo sem a pandemia, nenhuma estatal foi privatizada. Atualmente, há 46 empresas de controle direto da União, além de 152 subsidiárias. Uma das estatais, batizada de NAV Brasil Serviço de Navegação Aérea, foi criada em 2019 por Bolsonaro.

O “choque liberal” delegado ao ministro Paulo Guedes permanece estacionado. A agenda internacional, sob a batuta do chanceler Ernesto Araújo, é marcada por confrontos com potências como China, ataques à Venezuela e críticas a países europeus. Ainda na área internacional, o governo ajudou a afugentar investidores estrangeiros com uma postura de confronto e uma narrativa equivocada na questão ambiental. Agora, com a derrota do aliado Donald Trump nos Estados Unidos e a vitória de Joe Biden, Bolsonaro terá de fazer mudanças na política externa. “Bolsonaro não tem perfil reformista. Sabemos que reformas profundas são construídas tecnicamente, mas é essencial a liderança do presidente”, disse a consultora e economista Zeina Latif, doutora em Economia pela USP.

Na avaliação do professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Sérgio Praça, doutor em Ciência Política e pós-doutor em Administração Pública, o nível de autonomia concedido por Bolsonaro a Guedes faz com que o ministro seja o principal responsável pelos desacertos. “Credito o fracasso mais ao Paulo Guedes do que ao presidente”, disse o professor. “Certamente o presidente poderia ajudar mais, mas vejo que falta habilidade.”