Virou lugar-comum assistir aos filmes da vasta galeria de super-heróis da Marvel com olhar atento, esperando o momento sublime da aparição de um coadjuvante muito especial: Stan Lee, o homem responsável pela criação desse rico e onipresente “universo” ficcional. Stanley Martin Lieber, que morreu na segunda-feira 12, aos 95 anos, em Los Angeles, foi praticamente sozinho o responsável pela chamada Era de Prata dos quadrinhos, que começa em 1961 com a publicação do “Quarteto Fantástico”, criação dele e de Jack Kirby (outro gênio das HQs, falecido em 1994). A partir daí, Lee, que desde 1939 era o editor da Timely Comics — a futura Marvel — fez surgir uma legião de super-heróis: Homem-Aranha, Homem de Ferro, Hulk, Thor, Demolidor, X-Men, Pantera Negra e dezenas de outros. Essas novas revistas mudaram o jogo do mercado, tirando a primazia da então líder DC Comics, a editora de Batman e Super-Homem.

O segredo de Lee foi apresentar heróis cheios de problemas humanos, que encaram vilões enquanto têm de lidar com situações reais como o aluguel atrasado. Outra novidade é que suas histórias se passavam em cenários também reais, como Nova York, e não em cidades fictícias como Gotham City ou Metrópolis. “Ele sempre soube trabalhar com personagens muito antenados com a atualidade. Lee já falava de racismo e questões sociais nos quadrinhos quando ninguém pensava em tocar nesse assunto”, diz Levi Trindade, editor líder da Panini Brasil, que detém os direitos dos títulos da Marvel Comics no País.

Admirador declarado do escritor francês Jules Verne (1828-1905), Stan Lee queria ter sido romancista, mas foi num emprego como office-boy de uma empresa de quadrinhos, aos 17 anos, que encontrou a razão de sua existência. Nunca mais largou esse mundo. “Stan Lee era tão extraordinário quanto os personagens que criou. Ele era super-herói para os fãs da Marvel no mundo todo, tinha o poder de inspirar, entreter e conectar”, disse Bob Iger, CEO e presidente da Walt Disney, em sua conta no Twitter. A Disney adquiriu a Marvel por US$ 4 bilhões, em setembro de 2009.

Antes do negócio, a Marvel esteve à beira da falência. Em 1996, com débitos avaliados em US$ 600 milhões, entrou com um pedido de recuperação judicial. Como saída, a empresa vendeu boa parte dos direitos de seus super-heróis a preço de banana para o cinema. Enquanto amargava o processo lento de sua recuperação, a Marvel via a Sony faturar US$ 822 milhões com as bilheterias do primeiro “Homem-Aranha” (2003). Decidiu, então, tomar um empréstimo de US$ 500 milhões para criar seu próprio estúdio de cinema, inaugurado com “Homem de Ferro” (2008). A partir daí, a empresa redefiniu a indústria do entretenimento. Hoje, das dez maiores bilheterias da história do cinema, quatro são de filmes da Marvel. “Se antes a Marvel ficava restrita aos nerds, hoje todo mundo, por um motivo ou por outro, passou a consumir seus produtos”, diz Marcos Bedendo, professor de branding da ESPM. Lee deixa a vida como o escritor mais bem pago de 2018, tendo faturado US$ 46 milhões entre outubro de 2017 e outubro de 2018. Prova de que seu legado é imortal.