Uma piada (não muito divertida) entre advogados tributaristas é que só é fácil aprovar reformas tributárias na Coreia do Norte. É fácil entender o motivo. Impostos são uma unanimidade. Ninguém gosta deles. Quem paga, quer pagar menos e quem é isento quer permanecer assim. Por isso já se imaginava que a proposta original de reforma, enviada ao Congresso na noite da sexta-feira, 25 de julho, seria difícil de negociar e aprovar, ainda mais com a base fraca de sustentação do governo no Legislativo.

Na noite da segunda-feira (18) o senador Ângelo Coronel (PSD-BA), relator da proposta de reforma tributária no Senado, afirmou em uma “live” promovida pelo Centro de Estudos de Sociedades de Advogados (Cesa) que vai retirar a proposta de tributação de dividendos do texto em tramitação no Senado. O senador classificou o projeto como “peça eleitoreira”, afirmou que a reforma provocaria “o maior contencioso tributário da história” e disse que não terá pressa em apresentar o relatório.

Faltam menos de dois meses e meio para o fim do ano. As normas tributárias definem que só é possível colocar qualquer mudança em vigor no ano seguinte ao de sua aprovação. Assim, é bastante razoável supor que o projeto, seja qual for a versão que sairá do Parlamento, só vai passar a valer em 2023. Na contramão do que desejava o governo, e lançando mais uma sombra de incerteza sobre os contribuintes brasileiros.

Considerado apressado, o projeto original que saiu do Ministério da Economia fechava várias janelas tributárias – como as de holdings imobiliárias e familiares – e propunha uma elevação no imposto sobre os investimentos. Esse seria, em circunstâncias normais, um ponto até defensável. Hoje, o investidor brasileiro vive um caos tributário.

Se ele aplicar em um Certificado de Depósito Bancário (CDB) em um banco de primeira linha paga de 15% a 22,5% de imposto sobre o rendimento, dependendo do prazo da aplicação. Será preciso deixar o dinheiro rendendo por mais de 720 dias para ter direito à tributação menor.

Se esse mesmo investidor aplicar em uma Letra de Crédito Imobiliário (LCI) ou em uma Letra de Crédito do Agronegócio (LCA) do mesmo banco, ele será isento de imposto. Com um detalhe: o CDB e a LCA ou LCI são títulos iguais. Dedicam-se a fornecer recursos para os bancos concederem crédito. A única diferença é que as Letras têm destinação específica: créditos para o setor imobiliário ou para o agronegócio, ao passo que o dinheiro captado por meio dos CDB pode ser emprestado para qualquer pessoa. No entanto, tempos atrás, a crônica escassez de capital e os competentes lobbies setoriais criaram essa diferença tributária, que permanece.

O mesmo vale para os investimentos imobiliários. O investidor que compra alguns escritórios em um edifício comercial e os aluga entrega, dependendo do valor, até 27,5% do ganho para as insaciáveis mandíbulas do Leão. O investidor que compra os mesmos escritórios por meio de um Fundo de Investimento Imobiliário (FII) recebe rendimentos isentos. A proposta da reforma tentou acabar com essa diferença. Esperava-se uma grita generalizada, que não houve. Mas, silenciosamente, a proposta caiu durante a tramitação na Câmara dos Deputados.

Agora a proposta de tributar dividendos também pode ser alterada. A ideia original tem um problema: coloca na mesma fila o investidor que recebe milhões de reais todos os anos de um patrimônio acionário com o pequeno empresário que retira como dividendos os lucros de sua empresa, que já foram tributados de acordo com as normas fiscais. Faz sentido diferenciar esses dois contribuintes. E vale lembrar que, com exceção do Brasil, todos os países economicamente relevantes tributam os dividendos.

O tema é extenso, complexo e polêmico e tem implicações profundas sobre a economia. Atualmente, a maior parte dos recursos econômicos é fluida. Para um empresário do setor de tecnologia, por exemplo, não faz muita diferença em termos práticos instalar sua empresa em São Paulo ou em uma cidade menor e mais barata – ou instalar sua empresa em um escritório virtual e operar com 100% dos colaboradores 100% do tempo em home office. Assim, a decisão de instalar (ou retirar) uma empresa do Brasil vai depender cada vez mais de fatores exógenos ao negócio, como por exemplo a estrutura tributária. Por isso, o açodamento do governo e os solavancos da tramitação no Legislativo são tão danosas à economia.