Carne vermelha em excesso pode fazer mal ao coração, devido ao acúmulo de colesterol ruim nos vasos sanguíneos. Porém, esse não é o único efeito nocivo: as finanças do investidor também podem ser prejudicadas. À primeira vista, investir em empresas de proteína animal representa dinheiro no bolso, pois essa é uma atividade pouco afetada pelos ciclos da economia. No entanto, as pesquisas mais recentes mostram que há riscos ocultos, não incluídos nos modelos de avaliação dessas companhias na bolsa. Calcular o impacto das ameaças tem sido o trabalho da entidade americana Fairr Initiative, primeira rede global de investidores dedicados a estudar os novos riscos sistêmicos na produção de proteína animal. “A agricultura intensiva permitiu produzir mais alimentos e ter lucro, mas as mudanças no clima e nos hábitos dos investidores estão alterando essa realidade”, diz o gestor britânico Jeremy Coller, fundador da entidade. “Há novos problemas, como a contaminação das águas, a geração de bactérias resistentes a antibióticos e a devastação das florestas”, diz Maria Lettini, diretora da Fairr. “Só agora eles começam a ser incluídos nos modelos de avaliação de empresas.”

Alguns números mostram como as coisas mudaram. Em agosto deste ano, a empresa americana Smithfield Foods, maior produtora de carne suína dos Estados Unidos foi multada em US$ 473 milhões pelo governo da Carolina do Norte. O manejo irregular dos resíduos contaminou fontes de água e o solo nos arredores das fábricas. O irônico da história é que processo começou como uma reclamação de vizinhos contra o mau cheiro das fazendas e foi crescendo à medida que mais informações eram reveladas. Posteriormente, a empresa, de capital fechado e controlada pela corporação chinesa WH Group, recorreu e as multas foram reduzidas para US$ 118 milhões, mas o caso provocou perdas no setor. “Casos como esse devem tornar-se mais e mais comuns, pois investidores e autoridades estão mais atentos”, diz Maria Lettini. Isso afeta um setor importante, com receitas anuais globais de US$ 300 bilhões e um valor de mercado de US$ 280 bilhões no fim do primeiro semestre.

Aberto e fechado: Para evitar epidemias, produtores de aves abusam de antibióticos. Na pecuária extensiva, o risco é a devastação das florestas

Também há exemplos brasileiros. Em março de 2017, a Polícia Federal deflagrou a Operação Carne Fraca. As duas maiores empresas do setor, JBS e BRF, foram acusadas de adulterar seus produtos, tanto os vendidos no mercado interno quanto os exportados. A adulteração foi possível devido a um esquema de corrupção montado entre os responsáveis pela fiscalização sanitária. Nos dias que se seguiram à operação, JBS e BRF viram seu valor de mercado conjunto encolher em R$ 5,8 bilhões.

Para se defender de solavancos como esse, os gestores de recursos internacionais vêm mudando sua forma de atuar. “Estamos mais atentos à avaliação desses riscos”, diz Peter van der Werf, sócio da gestora holandesa de recursos Robeco. “A produção intensiva de carnes traz riscos ambientais e à saúde dos consumidores, e é preciso escolher as companhias que conseguem equacionar melhor esses problemas.” Segundo Werf, a gestora, que administra um total de € 167 bilhões (R$ 750 bilhões) em fundos está alterando seus parâmetros de investimento. Discreto, o gestor holandês não divulga números, mas afirma que essa nova filosofia está ganhando importância na estratégia de investimentos. “Não podemos expor os recursos de nossos clientes a ameaças”, diz ele.

Maria Lettini, diretora da Fairr Initiative: “Novos riscos, como a contaminação das águas, a geração de bactérias resistentes a antibióticos e a devastação das florestas, estão começando a ser incluídos nos modelos de avaliação”

Na avaliação da Fairr, há sete grandes ameaças ao valor de mercado das empresas (observe o quadro ao final da reportagem). As mais graves são as relacionadas à crescente escassez de água para sustentar o agronegócio, maior consumidor desse recurso. Em seguida, os efeitos colaterais do uso de antibióticos. Confinados, animais e aves são muito mais propensos a doenças. Para evitar epidemias, os criadores aplicam-lhes doses generosas de antibióticos. Ao prevenir infecções, o processo favorece o surgimento de bactérias resistentes que atacam também os seres humanos. Isso eleva os gastos médicos. Pelas estimativas da Fairr, apenas nos Estados Unidos o tratamento contra infecções provocadas por bactérias resistentes a antibióticos eleva os gastos do sistema de saúde em US$ 2 bilhões por ano. “É uma questão de tempo para que essas despesas sejam cobradas das empresas do setor, principalmente por meio de ações coletivas”, diz Maria.

Nesse cenário, as empresas brasileiras estão em uma posição relativamente confortável. A Fairr avaliou 60 companhias de proteína animal com ações negociadas em bolsa. Desse total, três brasileiras: BRF, JBS e Marfrig. Do universo de empresas avaliadas, 35 delas, ou 60% do total, foram consideradas como de alto risco e apenas cinco foram consideradas seguras. As 20 restantes são de risco médio, com as três nacionais entre elas. O fato de o gado brasileiro ter uma criação extensiva facilita o manejo com menos aditivos químicos. O maior problema, no caso do Brasil, é a devastação de áreas florestais para a formação de pastos. “Notamos que as companhias brasileiras têm sido permeáveis à adoção de métodos que reduzem os riscos”, diz a diretora da Fairrww. Ou seja, ainda é possível comer aquele churrasco sem culpa e investir nas empresas sem medo de sofrer um prejuízo.