Aprovada em dezembro de 2016 por um governo Temer ainda com popularidade e força política, a Emenda Constitucional 95, mais conhecida como lei do teto de gastos, buscou impedir que as crescentes despesas públicas assumissem uma trajetória explosiva. A solução foi comparável às intervenções realizadas com os adictos em consumo. Pelos vinte anos seguintes, os três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – só poderão gastar o que foi gasto no ano anterior. A única alteração permitida é a correção pela inflação. Se descumprirem essa regra, eles serão submetidos a punições duríssimas. Não poderiam realizar concursos para contratar pessoal, aumentar salários, criar despesas e nem reajustá-las acima da inflação.

Politicamente impopular e saudado pelo mercado financeiro como o começo de um muito necessário processo de ajuste do setor público, o teto dos gastos pode provocar a paralisação das atividades governamentais. Essa é a conclusão de um levantamento de economistas do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), ligado à Fundação Getulio Vargas (FGV). “A Emenda Constitucional foi criada para limitar as despesas, mas ela não garantiu ao governo instrumentos para esse cumprimento”, diz a economista Vilma Pinto, uma das autoras do estudo. “Não é possível alterar as despesas obrigatórias, que representam a maior parte dos gastos.”

Ana Paula Vescovi, secretária-executiva do Ministério da Fazenda: “Se as reformas econômicas forem aceleradas, o próximo governo poderá rediscutir a regra do teto de gastos” (Crédito:Valter Campanato/Agência Brasil)

Para entender o problema é preciso lembrar que, desde a Constituição de 1988, há dois tipos de gastos públicos, os obrigatórios e os discricionários. Os obrigatórios, como Previdência, remuneração dos servidores e repasses à saúde e à educação respondem pela maior parte dos dispêndios, e vêm crescendo aceleradamente apesar da crise (observe o quadro ao final da reportagem). A solução do governo, então, tem sido cortar as despesas discricionárias. “Só por serem discricionárias, isso não significa que elas são irrelevantes”, diz Vilma. “Ao contrário, a contenção desses gastos afeta atividades essenciais como o controle do tráfego aéreo, a emissão de passaportes e a concessão de bolsas de pesquisa.”

Por exemplo, na proposta do Orçamento para 2019 enviada ao Congresso, o governo propôs o corte de 11% nas despesas não-obrigatórias do Ministério da Educação e Cultura (MEC). Isso poderá deixar 93 mil pesquisadores sem suas bolsas de apoio à pesquisa. Segundo a economista, há um limite para a contração das despesas. Em 2017, o investimento líquido do governo central, que exclui Estados e municípios, foi negativo em R$ 16 bilhões. Na prática, isso significa que o total investido foi insuficiente para cobrir a depreciação do estoque de capital público.

Vilma Pinto, economista da FGV: “A Emenda Constitucional foi criada para limitar as despesas, mas ela não garantiu ao governo instrumentos para esse cumprimento” (Crédito:Divulgação)

E as pressões para elevar os gastos são fortes e contínuas. Na quarta-feira 8, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) propuseram um reajuste de 16,3% em seus salários. Com isso, a remuneração máxima da magistratura subirá dos atuais R$ 33,7 mil para R$ 39,2 mil. “Isso vai gerar um efeito cascata que tornará o teto de gastos inviável”, diz o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas. Velloso disse à DINHEIRO estar pessimista com o tema. “O teto de gastos foi sempre uma furada, pois foi aprovado com base em uma hipótese improvável, a de que a Reforma da Previdência seria integralmente aprovada e teria efeito imediato sobre os gastos públicos, o que é impossível”, diz ele.

Há pouco a esperar no curto prazo. Segundo Ana Paula Vescovi, secretária-executiva do Ministério da Fazenda, rediscussão do teto de gastos é um assunto para o próximo governo e, ainda assim, dependendo de uma aceleração na aprovação das reformas econômicas “Fizemos o teto de gastos prevendo um ajuste gradual em dez anos. Se as reformas econômicas forem aceleradas, o próximo governo poderá rediscutir a regra do teto de gastos”, afirmou. “Agora, é uma emenda constitucional e tem que fazer uma discussão robusta com o Congresso e a sociedade.” Ou seja, ficou para o ano que vem.