Para completa surpresa de ninguém, o dinheiro público da educação teve mais uma vez destinação moralmente insustentável – e legalmente questionável. A bagunça da semana foi veiculada na Folha de S.Paulo. Escolas de fim de mundo no Brasil receberam kits de robótica. Não me acuse por usar a expressão ‘fim de mundo’. Eu imagino que fim de mundo seja um lugar em que uma escola não tenha água encanada. Pois das instituições contempladas com o kit robótica no interior de Alagoas havia as que nem sabem o que é ter água na torneira. Cada kit custou R$ 14 mil. A compra foi intermediada por uma tal Megalic. Segundo denúncia da Agência Pública, a empresa é ligada ao presidente da Câmara dos Deputados, o alagoano Arthur Lira (PP/Centrão). Para completa surpresa de ninguém…

A conta é rasteira. O kit custou mesmo R$ 14 mil? Porque eu fiz uma busca simples no Google no domingo (10) e achei um kit de robótica completo, da Eletrogate, por R$ 419,90 – e ainda dá para pagar em seis vezes. Está óbvio que o problema raiz do Brasil não é a escassez de dinheiro. É a abundância dele nos caminhos públicos. E para isso só sobra uma alternativa: a tecnologia. Colocar Inteligência Artificial (IA) onde impera a Safadeza Humana. De certa forma é disso que trata artigo recente de Darrel M. West, vice-presidente e diretor de Estudos de Governança da think tank americana Brookings Institution. No texto intitulado Using AI and Machine Learning do Reduce Government Fraud ele escreveu que “as organizações dos setores público e privado têm grandes orçamentos para gerenciar e é importante operar com eficiência e eficácia”. E diz que para ajudar na supervisão orçamentária a Inteligência Artificial “está sendo usada para gerenciamento financeiro e detecção de fraudes”.
Inteligência Artificial é capaz de adivinhar o rosto de uma pessoa por meio da voz

Todos sabemos que soluções de IA nascem de formatações humanas. Não se trata do Santo Graal em que se serve a resposta perfeita para todas as mazelas da sociedade. Mas sem dúvida soluções tecnológicas refinadas e qualificadas poderiam estancar no Brasil o desvio cotidiano e sem vergonha de recursos públicos para bolsos privados, em especial nas áreas de saúde e educação. West afirma que é preciso desenvolver uma IA responsável, “contratando especialistas em ética e criando comitês de revisão”. A partir daí ele elenca dez recomendações. Meia dúzia delas seria decisiva para controle e gestão de orçamentos públicos.

“Usar a avaliação baseada em evidências para determinar a eficácia de novos projetos.” Está claro que enviar kit de robótica para onde não chega internet ou não há água encanada é malandragem ou má-fé.

“Desenvolver parcerias com instituições de ensino superior ou técnico para treinar trabalhadores atuais e futuros.” Pegar parte ínfima do dinheiro dos kits robóticos malandrinhos e usar em hackathons junto a instituições de ensino da região Nordeste poderia trazer soluções mais criativas e eficazes e transformar a dor das escolas do sertão.

“Desenvolver padrões claros para a coleta e análise de dados que melhorarão os algoritmos de Inteligência Artificial.” Vivemos a era do aprendizado que dura a vida toda. Vale para as pessoas, vale para as máquinas.

“Reformar os processos de compras governamentais.” É evidente que um modelo só decidido por pessoas é ineficiente, ultrapassado e poroso a crimes.

“Empregar projetos-piloto para lançar inovação de maneira menos arriscada.” Prototipar e experimentar qualquer decisão parlamentar ou ministerial evitaria erros na escolha de Refis, de quais setores teriam redução de IPI, do uso de linhas de crédito, ou comprar milhões de reais em kits robóticos.

“Construir uma cultura de inovação dentro da organização.” Vale para a empresa privada, vale para o Estado. E como isso não partirá de parlamentares, será preciso outro tipo de decisão. Meu sonho ainda será sortear ocupantes de cargos públicos no Brasil. Daria mais certo que o modelo que temos.

O que Darrel West traz é algo simples e eficaz contra nossa cleptoelite pública e política. Afinal, o Brasil é o país que adotou no limite a acidez descrita pelo francês Emmanuel Carrère (classe 1957), de que “o Código Penal impede que pobres roubem dos ricos e o Código Civil permite que ricos roubem dos pobres”. Por estes trópicos quentes e chuvosos, contra o crime não basta a moral. É preciso tecnologia agressiva.