Fábio Prieto, de 55 anos, desembargador federal e ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF-3), que abrange São Paulo e Mato Grosso do Sul, tomou posse no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) na sexta-feira com um discurso crítico ao atual sistema de Justiça brasileiro.

Para o magistrado, os órgãos de controle, formados por quatro conselhos – o Nacional de Justiça (CNJ), da Justiça Federal (CJF), da Justiça do Trabalho (CJT) e o Nacional do Ministério Público (CNMP) – falham na missão de fiscalizar as instituições, incham a burocracia estatal e deveriam ser revisitados. A fim de mudar esse cenário, Prieto propõe uma reforma da reforma do Judiciário promovida pela Emenda Constitucional 45, de 2004.

Além disso, com as mudanças da década passada, associações de classe, para o desembargador, passaram a desvirtuar a essência da Justiça em defesa de interesses próprios, ofuscando o surgimento de bons juízes e boas lideranças: “O juiz tem de fazer sentença, e o desembargador tem de fazer voto”. Segundo Prieto, “é preciso superar o modelo corporativo-sindical, fazer a reforma liberal do sistema de Justiça”. Leia os principais trechos da entrevista ao Estado:

A criação de um fundo público bilionário para campanhas está na pauta do Congresso. Caso a proposta seja aprovada, a responsabilidade no TRE aumenta?

Receberemos uma responsabilidade que não existe e vamos ter de dar conta dela. Então, vamos ter de investir na área de softwares que fazem análise econômica, que cruzam pagamentos, isso tudo existe. Vai ter um custo, e a assessoria técnica do tribunal terá de preparar relatórios. Hoje isso é feito, claro, com nível de custo muito inferior, mas vamos ter de enfrentar (caso seja aprovado o uso de recursos públicos em campanhas) em uma outra magnitude. Que há mecanismos, há. Não é uma coisa fácil, não é uma coisa simples, é um volume de dinheiro muito grande, especialmente aqui em São Paulo, mas é um problema passível de enfrentamento.

O senhor tem um discurso crítico ao sistema de Justiça. Quais são os principais problemas?

O principal problema da reforma do Judiciário é sua matriz. Não adianta olhar, por exemplo, para um grande (volume de) dinheiro pago a um juiz e não saber se se trata de vencimento ou indenização. Por que nós não sabemos? Porque nós criamos uma estrutura, um sistema de controle, que não funciona. Qualquer sistema de controle eficaz daria a resposta. A imprensa não sabe, nós, juízes, não sabemos. Por que isso acontece? Nós temos quatro conselhos. Não é possível ter um sistema operando em quatro prédios diferentes, com quatro grupos de servidores diferentes e que adotam decisões contraditórias ou inconciliáveis. Nesses quatro conselhos, as composições são temporárias, mandatos curtos, portanto no modelo se criou uma instabilidade gerencial. Se há um sistema de controle de última instância, colocam-se lá as pessoas que estão no topo do sistema. No Judiciário, são os ministros do Supremo Tribunal Federal.

Por que esses conselhos da reforma de 2004 permitiram a criação de mecanismos de defesa de interesses do Judiciário?

Na medida em que não se trabalhou com juízes do Supremo, fez-se uma composição que é permeável à corporação. São juízes de primeiro grau, juízes de apelação. Não se pode, por exemplo, dar uma responsabilidade de diretor financeiro e chamar o sujeito que está no nível intermediário de uma empresa. É um modelo gerencial ruim. O que acontece? Hoje, no Brasil, não sabemos quantas associações de juízes existem. O CNJ diz que os tribunais não podem fiscalizar os pedidos de afastamento de um juiz. Mas um juiz não poderia ser assessor, pela própria definição. Assessor, essa figura que não existe, é subordinado, e pode ser dispensado a qualquer momento. O juiz é um agente político caro, bem treinado. Se não há isso, estou formando maus juízes e instigando lideranças ruins. Esse dano ao País é muito grande.

Essas lideranças surgem quando se permitem as associações?

Algumas associações assumiram discurso de sindicato. Há presidente de associações dando palpite sobre tudo. Ora, veja, é proibido ter sindicalização de juiz. Nos países em que há sindicatos de magistrados, o Poder Judiciário é fraco. O que a sociedade quer é resolver seus problemas com uma magistratura que tenha uma certa autoridade para decidir as coisas. O juiz não pode estar gritando sobre o que o deputado está fazendo, sobre o que o empresário está fazendo, sobre o que o jornalista está fazendo. Esse modelo também tem este problema: há juiz que parece sindicalista falando, expedindo nota sobre tudo, sobre qualquer assunto. Esse não é o nosso papel.

Como mudar isso?

Temos de reformar a reforma. Primeiro, acabar com os quatro conselhos. Segundo, essas composições que foram feitas não podem continuar a ser feitas. Não pode, por exemplo, alguém como eu, que sou desembargador, sentar no conselho por dois anos e depois voltar para o tribunal. Você não tem a independência necessária.

Seriam só ministros do STF ou poderia ter membros de outros tribunais superiores?

Só do Supremo. É a responsabilidade de última instância. Não se pode dar essa responsabilidade para a diretoria errada.

O senhor diz que adotou medidas anticíclicas no TRF-3 em relação às orientações do CNJ. O que são essas medidas?

Nossa Lei Orgânica proíbe, por exemplo, que o juiz seja assessor do presidente, por uma razão óbvia: a nota do juiz é ser independente. A Constituição implicitamente proíbe. O juiz só pode substituir o desembargador para julgar processos em circunstâncias muito especiais, como ficar doente. Hoje, o juiz vai ser assessor do presidente do tribunal, assessor de desembargador. Isso é função de funcionário, nós pagamos uma burocracia para isso.

Qual o efeito prático disso?

Há vários. O mais grave é aquele que a sociedade talvez tenha maior dificuldade de ver: a formação de lideranças ruins dentro de um Poder de Estado. O juiz é como um cirurgião: tem de pegar aquele sujeito quando sai da faculdade, colocá-lo para começar a fazer a cirurgia e deixá-lo por 15, 20, 30 anos. Se se estimular um juiz no começo de carreira a ser terceiro-secretário de uma associação, ele se afasta e vai ser militante, não trabalha. Depois vai ser assessor do presidente do tribunal, não trabalha. Antigamente, os juízes disputavam os lugares mais difíceis. Hoje, ele vai contar que foi assessor de não sei quem, que foi da associação, de um grupo de trabalho. O juiz tem de fazer sentença, e o desembargador tem de fazer voto. É essa a nossa função. É preciso superar o modelo corporativo-sindical, fazer a reforma liberal do sistema de Justiça.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.