Para o líder da Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias, custo dos entraves do segmento chegam a representar 10% do valor de um imóvel.

Dois anos e meio se passaram desde o início da pandemia. No Brasil, um intervalo marcado por crescimento do mercado da construção civil, impulsionado pela revalorização da casa e pelo home office. À frente da Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz Antonio França acompanhou de perto o bom momento do setor em 2020 e 2021. As vendas de imóveis residenciais novos cresceram 27% e 26%, respectivamente, na comparação anual, com base em pesquisa com 18 associadas. Porém, a crise sanitária trouxe consequências desafiadoras à economia. Aumento dos preços das matérias-primas e dos custos, inflação nas alturas e incremento dos juros dos financiamentos. Mesmo diante de tantas adversidades, o setor mostra resiliência com crescimento de 26,6% nos primeiros cinco meses de 2022. Um segmento que emprega 6,8 milhões, responde por 7% do PIB, mexe com 97 subsetores da economia movimentando R$ 600 bilhões por ano.

DINHEIRO — Qual panorama do setor na pandemia e o aprendizado?
LUIZ ANTONIO FRANÇA — A primeira lição foi ligada ao social e focada nos operários. Apostamos na estatística. Pegamos 1 mil canteiros de obras, com 90 mil funcionários. Realizamos 76 pesquisas. Com base nelas constatamos um baixíssimo índice de mortalidade, de 0,04%, quando no Brasil atingiu 0,28%. Além disso, observamos que os donos de imóveis, mais presentes em casa, começaram a fazer questionamentos e verificar necessidades adicionais, como ver se o sol bate na casa, se é arejada. Isso agitou o mercado.

Houve outros benefícios?
A pandemia também acelerou em condomínios muito grandes o desenvolvimento de sistemas de logística para receber todas as compras on-line. A crise sanitária antecipou algo que iria acontecer no Brasil. No geral, tivemos aprendizados importantes tanto para o consumidor como para os nossos trabalhadores.

Qual é a importância do setor na retomada da economia?
Temos dois mercados distintos no segmento residencial. O Casa Verde e Amarela, cativo em razão do déficit habitacional na faixa de baixa renda [déficit de 7,8 milhões de moradias]. É um mercado que não teve problema de redução de vendas na pandemia. Já o médio padrão chegou a apresentar retração nos primeiros meses, mas no segundo semestre [2020] voltou a operar e muito também, porque, além dos compradores naturais, havia clientes na busca por um imóvel repaginado, readequado para as necessidades deles.

“Realizamos 76 pesquisas nos canteiros de obras durante a pandemia. O índice de mortalidade foi de 0,04% enquanto no Brasil atingiu 0,28%” (Crédito:Istock)

Outros atrativos?
O Brasil tem umas coisas interessantes em termos de longo prazo. O preço do metro quadrado brasileiro é muito baixo. Tem uma empresa [Numbeo] que faz pesquisas de várias cidades do mundo com base num índice de preço em dólar por metro quadrado. São Paulo está no 287º lugar no ranking [média de US$ 2 mil o m², enquanto Hong Kong, primeira na lista, tem preço médio de US$ 22 mil o m²]. Em que pese a falta de renda e uma série de coisas que temos no Brasil, pode-se verificar que em uma cidade como São Paulo os preços dos imóveis no médio e no longo prazos estão defasados com a realidade mundial.

O imóvel segue sendo um grande investimento?
Com qualquer movimentação da economia, associada a uma melhora do poder aquisitivo das pessoas, veremos ao longo do tempo o imóvel se valorizando. E muita gente se pergunta: compro imóvel ou deixo dinheiro aplicado? A Abrainc fez uma pesquisa em que pegou uma série de dez anos [2009 a 2019]. Nesse período observamos que na cidade de São Paulo o imóvel teve a valorização um pouco maior do que a variação da Selic. O imóvel valorizou um pouco mais do que um investimento seguro, que seria comprar um título do governo, por exemplo. Então, a gente verifica que, nessa série histórica, o imóvel foi, é e deve ser um bom investimento. Tanto que nos últimos 12 meses São Paulo apresentou uma variação do preço dos imóveis de 17,1%.

A tendência é que o preço do imóvel continue a subir?
Isso vai depender da conjuntura brasileira. Sou otimista em relação a isso, porque acho que o Brasil tem algumas coisas muito positivas. Se analisarmos a taxa de desemprego, veremos que caiu muito [9,8%] após chegar a 15% na pandemia. Desde 2016 o País não tinha índice abaixo de 10%. A economia brasileira está num trend muito bom, quando você visualiza o fim da pandemia e o provável término da desorganização das cadeias produtivas, algo que aconteceu no mundo inteiro e aumentou o custo de todos os produtos. Além disso, se formos comparar a inflação no Brasil com a de outros países, a brasileira está muito mais controlada.

Após a taxa Selic atingir 13,75%, o senhor acredita em novas altas?
A Selic tem sido operada corretamente pelo BC, o que é importante. As correções necessárias estão sendo feitas. O Brasil foi um dos primeiros países a evoluir na taxa de juros. E gradualmente com a queda de inflação pode-se começar a trabalhar num processo de redução da Selic.

E quais as consequências para o setor da construção civil?
O aumento da taxa de juros não impede o investimento em imóveis. No mercado de médio e alto padrão, no qual o financiamento é feito com recursos da poupança, o impacto tem sido bem menor mesmo com o atual patamar. Historicamente, a Selic quase sempre esteve acima de dois dígitos e o mercado se desenvolveu. Já no programa Casa Verde e Amarela, que corresponde a 80% das unidades produzidas nos últimos anos, o financiamento é proveniente do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Qual tem sido o comportamento das incorporadoras?
No segmento do Casa Verde e Amarela estão ocorrendo alterações importantes. Uma readequação dos subsídios para o comprador do imóvel.

O que aconteceu?
Como houve uma pressão muito grande de custos, ficou mais caro para produzir o imóvel, e a renda das pessoas nessa classe não aumentou na mesma proporção. Então, houve a necessidade de o governo adequar os subsídios, para que essas pessoas possam adquirir as suas moradias.

E nos demais segmentos?
O altíssimo padrão é um mercado que sempre flutua bem. O médio padrão depende da situação da economia.

“O grande desafio é a redução da burocracia, que no nosso segmento chega a representar 10% do valor do imóvel. É uma coisa fundamental” (Crédito:Divulgação)

As incorporadoras têm adquirido terrenos em São Paulo, mas têm postergado os lançamentos. São questões burocráticas ou estão segurando para uma possível alta de preços?
É muito importante para qualquer incorporador ter um landbank para dar sustentabilidade ao seu negócio. Até porque o processo de aprovação de projetos do setor é lento. Então, você tem de antecipar. O fato de você ver esse movimento todo mostra uma projeção de médio de médio prazo bastante positiva. Acho que o Brasil sai fortalecido da pandemia no nosso segmento.

Por quê?
Se continuarmos a fazer as coisas necessárias, a economia brasileira deve voltar com força e, isso se confirmando, um segmento que puxa a economia é o da construção civil, que emprega 6,8 milhões de trabalhadores, além de mexer com 97 subsetores. O nosso crescimento puxa o PIB para cima. Quando o PIB brasileiro cresce, o da construção cresce mais ainda. É um grande impulsionador.

Quais os grandes desafios do setor?
O grande desafio é a redução do custo da burocracia, que no nosso segmento chega a representar 10% do valor do imóvel. Então, isso é uma coisa fundamental para que possamos ter imóveis mais baratos no Brasil. Diria que é o maior desafio.

De que forma o próximo presidente, independentemente de quem seja, pode colaborar para que o Brasil continue a se desenvolver?
O importante para qualquer país é você ter um equação de custo adequada. O que é isso? É você ter os custos do governo com custo adequado. O atual governo já veio fazendo isso. Uma máquina administrativa leve e eficiente vai redirecionar a economia de recursos para o povo, com investimento maior em infra-estrutura, em saúde, em saneamento e em habitação. A austeridade dos custos é fundamental para a retomada da economia. Isso seria o primeiro passo. E a partir do momento em que os seus custos são conhecidos e sabendo o quanto vão reduzir, você tem mais certeza de trabalhar com as reformas, por exemplo, como a tributária, além de prosseguir com as privatizações.