É possível “imunizar” as pessoas contra desinformação? A diretora do Stanford Health Communication Initiative, Seema Yasmin, acredita que sim. Segundo ela, é preciso fortalecer o entendimento sobre a ciência, construir relações de confiança entre a população e as instituições de saúde e ter veículos de comunicação fortalecidos para prevenir a disseminação de informações falsas.

Yasmin foi finalista do Prêmio Pulitzer, a maior honraria do jornalismo nos EUA, em 2017, por sua cobertura de doenças negligenciadas no jornal The Dallas Morning News. Um ano depois, publicou o livro The Impatient Dr. Lange, biografia de um médico especialista no tratamento da aids que estava no avião da Malaysia Airlines que caiu no Índico com 239 pessoas. Atualmente ela dirige o programa da universidade de Stanford que treina jornalistas e profissionais da saúde para abordar temas médicos complexos. Confira sua entrevista ao Estadão Verifica.

Você diz que um surto de doença caminha de mãos dadas com um surto de desinformação. Por que isso acontece?

Surtos de doenças são assustadores e provocam ansiedade. As pessoas fazem perguntas para as quais a ciência nem sempre tem respostas. Isso deixa vácuos de informação que podem ser preenchidos de forma imprecisa, seja com ou sem a intenção de causar danos. E enquanto algumas pessoas espalham notícias falsas sem saber, há quem explore nossa vulnerabilidade em tempos de crise para lucrar.

A desinformação pode intensificar os efeitos de um surto?

Sim, e a desinformação viaja mais rápido que as informações confiáveis. Na crise do ebola entre 2014 e 2016, por exemplo, havia rumores de que a doença não era real. Isso levou as pessoas a ignorar sintomas e expor os outros.

Algumas pessoas imaginam que a desinformação só é danosa para quem acredita nela. É isso?

A desinformação afeta a todos. Se um grupo de pessoas acredita que máscaras faciais não previnem o contágio de covid e decidem não usá-las, isso afeta não apenas elas, mas toda a sua comunidade.

Quando você percebeu que o jornalismo é parte da força-tarefa de combate a uma epidemia?

Eu reconheci que o jornalismo é o sistema imunológico de uma sociedade quando eu trabalhava no Centro para Prevenção e Controle de Doenças dos EUA (CDC). Eu ia a campo para investigar uma pandemia e percebia que não era só a doença que estava se espalhando: a desinformação também. Compreendi que o jornalismo cumpre um papel importante de educar o público sobre saúde e ciência. E pode ser uma ferramenta poderosa no combate à desinformação.

Como isso se aplica à pandemia de covid-19?

Estamos vendo veículos de mídia locais e nacionais assumindo o papel de agências públicas de saúde ao compilar os dados sobre a doença. Um trabalho que o CDC deveria fazer, mas foi enfraquecido pelo atual governo. Então dependemos de jornalistas para coletar e analisar os dados.

Como você avalia a transparência do governo dos EUA sobre a pandemia de covid-19?

Não precisamos de transparência governamental para enxergar que a resposta à doença tem sido inadequada e desorganizada. Isso está claro na taxa de mortos e no número de infectados.

A ciência está no centro do debate público e médicos ganharam destaque. Isso é bom?

Como em toda crise, há pessoas que veem uma oportunidade de ganhar plataforma apesar de não possuírem expertise. Também vemos isso com a pandemia de covid-19.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.