Pela primeira vez em Davos como presidente do conselho de administração do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, que completa 50 anos de casa em 2019, tem um recado bastante claro para o presidente Jair Bolsonaro: é preciso fazer um “choque” nas regras da Previdência, sem gradualismos. “Não dá para deixar de ter senso de urgência”, afirmou em entrevista concedida ao Estadão/Broadcast na noite de segunda, 21, no centro de convenções do Fórum Econômico Mundial de Davos.

Para ele, ainda que Bolsonaro tenha dito quando chegou aos Alpes, na tarde de ontem, que seu discurso de hoje será curto, o presidente deve tocar no tema da reforma da Previdência, que é o sinal mais aguardado pelos investidores estrangeiros para voltarem a colocar recursos no País. “O novo governo, por si só, já é suficiente para mudar a percepção dos agentes – por um tempo. Senso de urgência é uma palavra de ordem. Temos de despautar esse tema este ano.”

Passado esse obstáculo, o executivo acredita na retomada do grau de investimento pelo Brasil, ainda na atual administração. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Muitos investidores parecem interessados no Brasil, mas não têm confiança suficiente para colocar recursos, de fato. Nesse sentido, o discurso do presidente brasileiro está atraindo bastante curiosidade aqui em Davos. Qual é a sua expectativa?

O pessoal de Davos olha o Brasil com interesse porque somos um país que tem densidade territorial e populacional, bônus da agricultura e das commodities. A discussão sobre seu futuro provoca atenção em todos. Parece que estamos sempre postergando esse encontro marcado com o futuro do País. Mas agora mudou. Com a mudança do governo, do modelo econômico, da recusa da chamada nova matriz econômica, tudo isso deu um hálito novo, um clima de esperança. Vivemos mais do que uma lua de mel. Isso está no preço do dólar, da bolsa e dos bônus. Somos um objeto de desejo. Acho que teremos esses sinais (aos investidores) amanhã (hoje), com o almoço do ministro da Economia, Paulo Guedes, e o discurso de Bolsonaro.

O sr. falou que a Argentina pode ter pecado pelo gradualismo. No caso da Previdência, se vier uma reforma gradual pode ser um risco?

Sou um crítico dos mecanismos de gradualismo porque no trato dos desafios econômicos eles eram adequados quando o mundo era mais simples, com o padrão ouro, Breton Woods… Mas após a globalização, que é um conceito econômico, a digitalização, a moeda internacional, os ratings internacionais ficaram muito presentes. Então, não podemos nos contentar em fazer transformações gradualistas. Tem de dar um choque. O que se propõe no Brasil deste momento é um choque de liberalismo, em que o capital privado possa ter protagonismo. Até porque o capital estatal ficou diminuto porque estamos com déficit.

E em que prazo isso precisa acontecer?

Chegamos a um nível de consciência tão grande da necessidade da reforma da Previdência, que não haverá um governador que não vá se empenhar para a aprová-la. O novo governo, por si só, já é suficiente para mudar a percepção dos agentes – por um tempo. Senso de urgência é uma palavra de ordem. Temos de despautar esse tema este ano. Por isso, que a reforma ficou emblemática, necessária e temos de desenhar um sistema que seja autossustentável no longo prazo.

O sr. está falando da proposta de capitalização?

Sim. Para os entrantes, essa proposta é possível, necessária e desejável. Para o pessoal que já está, é preciso fazer regra de transição. A reforma da Previdência tem de ser feita, está umbilicalmente ligada ao conceito do País. Tem de ser colocada no gerúndio, no sentido de se trabalhar em etapas, com implantação gradual. A reforma da Previdência é colocada porque é uma mudança de gerações. Ela tem duas vertentes: uma é dos ajustes gerenciais, como combate à fraude, aumento de arrecadação, espaço para formalização de trabalhadores que sejam contribuintes. A Previdência precisa de um choque atuarial. O déficit fiscal é o único ponto que nos torna distante do grau de investimentos. O que nos amarra é a perspectiva de solvência pública para o médio e longo prazos.

O sr. acredita na volta do grau de investimento nesta gestão?

Acho que tem condições. Parece que estamos saindo de uma espécie de círculo vicioso e a nova gestão deve migrar isso para um círculo virtuoso. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.