De todos os lugares distópicos que esse rascunho de país chamado Brasil fez brotar, um beira o escárnio: a Educação. Elenco as safadezas mais recentes. No começo de abril, soubemos — sempre por meio de reportagens produzidas e veiculadas por organizações do jornalismo profissional — que o governo federal queria comprar uns 3,8 mil ônibus para o transporte escolar de crianças de áreas rurais, dentro de um projeto com o fofíssimo nome de Caminho da Escola (mas que adequadamente deveria se chamar Beco do Dinheiro). Tudo dentro do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), uma megastore criada na ditadura militar instalada no Ministério da Educação (MEC).

Nem vou entrar no mérito de lembrar que de cada 20 brasileiros, 17 moram em áreas urbanas, segundo o IBGE. Ou que essa montanha de ônibus é mais que o dobro da frota da Gontijo, uma das maiores empresas rodoviárias do Brasil. Vamos apenas tratar do sobrepreço. A mortandade do dinheiro. Cada veículo sairia por até R$ 480 mil, contra algo que deveria ficar perto de R$ 270 mil, segundo técnicos do próprio FNDE e advertências feitas pela CGU. Depois da denúncia, o Fundo colocou um teto de R$ 1,5 bilhão na transação. Caro ainda. O TCU entrou na jogada e a coisa toda está parada. O dindim a maior poderia bater na casa dos R$ 800 milhões. É assim que o Brasil escoa o dinheiro e não educa ninguém.

Outra traquinagem com o selo do FNDE, esta de menor fluxo de caixa, mas igual intensidade de larapismo & gatunagem, deu-se com o kit robótica. Gastaram R$ 26 milhões. Cada equipamento custou R$ 14 mil. Numa busca básica pelo Google encontrei uns bem legais por menos de R$ 500. E dava para parcelar. Pois o FNDE despachou kits (com claros sinais de sobrepreço) para escolas do interior alagoano que nem sequer têm laboratórios. Ou acesso à internet. Ou piso. Ou água encanada. Isso mesmo. Não tem água na torneira. Mas tem kit robótica de R$ 14 mil. A empresa que intermediou a compra não atua nessa área. Seu porfólio limita-se a ser ligadíssima ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Mais uma. Espalhar laptops por escolas públicas. Projeto lindo. Pena que para acontecer fosse preciso um poderoso Pix de R$ 3 bilhões do FNDE. Para completa surpresa de ninguém o edital estava totalmente podre. Mais de 350 escolas receberiam notebooks numa quantidade superior à de alunos matriculados. Em uma delas, de Minas Gerais, chegariam 30 mil laptops para 255 estudantes — mais de 110 por aluno. Na época o FNDE era comandado por Carlos Decotelli. Este ser foi anunciado ministro da Educação, mas renunciou depois de cinco dias porque seu currículo não batia com os fatos relatados no campo da formação acadêmica.

A traquinagem mais recente é esta: há 3,5 mil escolas inacabadas. O que o MEC faz? Autoriza a construção de outras 2 mil. Por meio do incansável FNDE, que administra uma montanha de dinheiro. Este ano, R$ 64,7 bilhões, de acordo com o Portal da Transparência. Orçamento maior do que a maioria dos ministérios — fica atrás apenas da grana prevista para Trabalho-Previdência, Cidadania-Auxílio Brasil e Saúde. Sozinho, é quase metade do MEC. Quem manda ali é uma dupla que Jair Bolsonaro conhece bastante bem. Valdemar Costa Neto, presidente do seu PL. E Ciro Nogueira, do PP, o ministro da Casa Civil. O documento dos ônibus foi assinado por Garigham Amarante, diretor de Ações Educacionais dentro do FNDE. Um indicado de Costa Neto. O Fundo é comandado por Marcelo Ponte, que foi chefe de gabinete de Nogueira.

O FNDE é visto pela brutta bestia da nossa política como cofre de ouro. Já a Educação como um pote de… (______). Deixemos a OCDE completar a resposta por meio do Education at a Glance (EaG) 2021, que avalia a situação de países associados ou parceiros. O Brasil passa vergonha (link: encurtador.com.br/bkBFT).

1. O número das pessoas com 25-34 anos que não concluíram o Ensino Médio é dos mais altos entre países da OCDE e parceiros;

2. A porcentagem de jovens que deve concluir o Ensino Médio antes de completar 25 anos é uma das mais baixas entre países da OCDE e parceiros;

3. O nível de conclusão do Ensino Superior entre pessoas de 25-64 anos é dos mais baixos entre países da OCDE e parceiros;

4. Entre pessoas de 25-64 anos cujo nível mais elevado é Mestrado ou equivalente (0,7%) o índice é dos mais baixos entre países da OCDE e parceiros;

5. A taxa de matrículas entre jovens de 15-19 anos é uma das mais baixas entre países da OCDE e parceiros;

6. O gasto total com ensino público (porcentual em relação ao PIB) da educação primária até a superior é relativamente alto (sétimo maior entre 40 países).

Traduzindo, gastamos muito, educamos pouco.

Duas de três coisas radicais e urgentes ajudariam numa revolução nesse campo: a) fazer o dependente de 5 a 17 anos de todo parlamentar estudar em escola pública enquanto papai ou mamãe ocupa o cargo; b) estancar os recursos da área, para espantar os abutres; c) reiniciar o sistema tendo o orçamento sob soluções de Inteligência Artificial, algoritmos e registro em blockchain.

Edson Rossi é redator-chefe da DINHEIRO.